Departamento de Polícia do Estado do Rio de Janeiro
Data: - Confidencial -
Encarregado: - Confidencial -
Detento: - Confidencial -
Transcrição de Depoimento:
Quando vi a notícia no jornal, meu mundo quase caiu, literalmente, já que quase derrubei meu celular e aquele pedaço de metal escovado é praticamente isso mesmo, meu mundo. Voltando ao assunto, foi nessa hora que tudo começou, pode-se dizer. Bom, nem tanto. Acho que começou quando eu era mais jovem, uns 10 anos se não me engano. Tinha esse cachorro na rua, ele sempre latia quando eu passava... ele não gostava de mim e era recíproco, mas acho que isso não vem ao caso. Depois disso teve uma coisa ou outra, eu conseguia me controlar, na maioria das vezes, pelo menos. Foi depois dos meus 18 anos que as coisas pioraram, tive que arrumar um trabalho e isso mexeu comigo de um jeito que... nem sei explicar. E foi aí, o começo. Ela trabalhava na fábrica comigo e me tratava mal. Bom, ela não era nada gentil com os outros, só que ninguém parecia se importar. Ela foi minha primeira. A sensação que tomou conta do meu corpo, eu nunca tinha sentido nada parecido antes e, confesso que gostei muito. Eu sabia que era errado, tanto que foi depois disso que eu comecei a beber. Tentava esquecer, jurei que nunca mais faria nada daquilo. Como você pode perceber, não foi bem assim que aconteceu. Enfim, nunca vou esquecer o rosto dela. Nem de nenhum deles, na verdade. Eu nunca esqueço um rosto. O seu, detetive, é um tanto exótico. Eu chutaria... mãe indiana e pai escocês?
Você não vai falar nada? Que seja. Eu não esqueço um rosto, e quando mostraram o dele na notícia eu sabia que não conhecia, não tinha sido um dos meus. Eu tinha certeza que não, mas então, como aquelas flores tinham ido parar lá? Coincidência? Impossível, já que é uma espécie rara que eu passei muito tempo cultivando em segredo. Ainda assim, eu me questionei, acredita?
Eu comecei a seguir o caso, precisava saber mais. Descobri que a cronostag... como é mesmo? Aquele que é para determinar o tempo de morte... eu sempre me atrapalho... crono-ta-na-to-gnose! Isso, lembrei. Bom, o tempo da morte caía bem num dia que eu estava viajando, e com isso tive a certeza de duas coisas. A primeira era que não tinha mesmo sido eu, a segunda era de que alguém tinha encontrado meu jardim secreto e me roubado. Era a única explicação para o meu cartão de visitas estar na cena de um crime que eu não cometi. Quem mais usaria uma Middlemist Vermelha em pleno Rio de Janeiro? Tinha que ser alguém tentando receber todo o crédito pelo meu trabalho. Eu comecei a usar a Middlemist Vermelha depois da senhora Maria. Ela era uma boa vizinha, eu que não agia nos conformes. Nessa época eu tinha me graduado às drogas e não ligava para muita coisa. Ou, pelo menos, não me lembrava o suficiente para me importar. Uma noite, eu nem sei te dizer o porquê, ela me irritou e eu... bom, acordei no dia seguinte com uma enxaqueca horrível e encontrei ela no chão da cozinha, na casa dela. Foi a primeira vez que me senti tão mal desde... a primeira vez. Quando a enterrei, coloquei algumas Middlemist Vermelhas, que ela cuidava com tanto carinho, junto com ela. Depois daquele dia eu parei com as drogas, a bebedeira continuou, disso eu não consegui me livrar. Comecei a cuidar das plantas dela, e quando se mudaram para a casa, eu peguei uma muda e comecei meu próprio jardim de Middlemist, para sempre me lembrar da senhora Maria. Você consegue entender a minha reação quando vi que tinham me imitado? Pois é. Posso ter um copo d'água? Sim? Não? Vou acreditar que seu olhar
sinistro é um sim. Com gás, por favor. Enfim, daí eu tentei deixar passar, se meu imitador fosse preso eu estaria livre para continuar, só precisaria não usar mais as Middlemist Vermelhas. Mas eu não consegui, sabe? Eu nunca consegui deixar as coisas passarem, talvez por isso tenham sido tantos ao longo desses anos todos.
Eu comecei a seguir o caso. Vocês pareciam ter poucas informações, não tinham como saber as coisas que eu sabia. Fosse quem fosse, tinha encontrado meu jardim secreto. Comecei a investigar os vizinhos da minha fazenda, e não cheguei a lugar nenhum. Não havia ninguém por quilômetros e não havia nenhum sinal de arrombamento. A frustração me consumia tanto que eu nem matei mais ninguém. Até perdi a vontade. Quando vocês anunciaram um suspeito. Eu não aguentei, precisava ter certeza. Só que vocês não divulgaram nada específico e eu não tive outra escolha, precisei conseguir alguém para me contar o que estava acontecendo. Ainda esperando a minha água. Não tem ninguém atrás desse espelho, não?
Não precisa me olhar assim. Certo, onde eu estava? Ah, sim. A policial. Tenho que dizer que sinto muito por ela, ela não fez nada de mal comigo.
Calma! Calma! Se você me matar... não vou poder terminar de contar a minha história!
Ufa, por um momento achei que você ia mesmo me enforcar. Ela era alguma coisa sua? Ops, desculpa a pergunta. Enfim, eu a sequestrei só para saber mais sobre o caso. Ela ficava me dizendo que tudo ia ficar bem se eu me entregasse. Só que eu já sabia disso, ela não entendia que eu precisava encontrar meu impostor antes. Aquilo me irritou demais e... acabou daquele jeito. Depois disso, vocês acharam que estavam chegando perto demais do tal suspeito e, por isso ele que tinha retaliado. Mais uma vez meu trabalho estava sendo creditado a outro alguém. Isso irrita demais, sabe? Pelo menos, agora eu tinha uma pista nova, meu plagiador era homem. E ele, amador, havia se cortado manuseando as plantas. Ainda assim, o DNA não sabia determinar quem era o sujeito, e ainda por cima, quando o encontrassem, iam achar que ele era eu. E eu não podia deixar, podia? Não, eu não podia. Eu tinha uma nova missão agora. Encontrar e conseguir uma confissão de plágio do rato que tentou levar a glória no meu lugar. Eu já não aguentava mais, saber que tudo o que fiz estava sendo dado para outra pessoa, por isso decidi me entregar. Contar para o mundo quem eu era e assumir minha devida glória. Só precisava conseguir aquela confissão. Afinal, sem ela vocês não iam acreditar em mim, nem se eu aparecesse aqui gritando aos sete ventos. Ou iam?
Não, acho que não. Ainda mais depois do DNA. Isso me lembra aquele seriado que passava na tv... não lembro o nome agora, você lembra? Não precisa se estressar, eu continuo. Não tinha muita gente na minha vida, mas ainda era uma grande lista de suspeitos. Tinha que ser alguém que eu conhecesse, alguém que tivesse acesso a minha fazenda, para encontrar o jardim secreto, não é? Bom, foi o que eu imaginei. E eu acertei em cheio, não foi? Pois é. Ah! Minha água. Agradeço imensamente, estava quase morrendo de sede aqui. Não é com gás? Calma, eu vou beber. É muito ruim ser a única pessoa falando, isso nem parece uma conversa.
Hmmmm. Assim está bem melhor, molhei o gogó. Vamos lá, onde eu parei? Lembrei. Meu plagiador, sim. Quem poderia imaginar, nem sei como ele me descobriu, eu sempre tomei tanto cuidado. Só sei que eu tive certeza que era ele quando que me contaram que ele estava sumido desde o mesmo dia do tal tempo de morte. Acho que não tinha estômago para o crime. Poucos tem. Até eu tive problemas no começo, como eu falei, comecei a beber e tal, por conta disso. Lembro que na quarta, não, quinta vez, eu bebi tanto depois, que não lembro o que aconteceu na semana seguinte. Uma semana inteira apagada da minha memória, loucura. Enfim, ele tinha fugido, nem um pouco suspeito, né? Pois é. Então eu comecei a dar pistas anônimas para vocês. Achei que era
mais fácil fazer vocês encontrarem ele do que eu, sem recursos chiques. Mas não foi bem assim. No final, ele era muito bom em esconder, quem diria. Nunca imaginei. A gente podia ter sido uma ótima dupla, se ele tivesse só falado comigo, contado o que sabia. Já era tarde demais, ele tinha me traído, tentado roubar o meu trabalho, ele precisava pagar. Ainda mais depois de me fazer esperar tanto para fazer ele pagar. Que raiva eu que sentia, toda vez que passava o dia e nem sinal dele no rádio que eu roubei da policial que eu tinha sequestrado. Até que, hoje de manhã, meu mundo quase caiu de novo, figurativamente dessa vez, por que eu só quase derrubei meu café, não o telefone. Café delicioso, e caro, por sinal. Enfim, soube que ele estava sendo trazido para cá e precisei agir. Achei que iam encontrar uma pista e eu teria tempo, mas não deu. Vim direto. Afinal, que melhor lugar para provar a minha autoria do que na frente de todos vocês. Depois disso, vocês já sabem. Entrei na delegacia e matei o desgraçado do meu irmão.
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Transcrição de Depoimento
Short StoryDepoimento de um serial killer após se entregar à polícia.