Hoje, mais um dia morri... Meu corpo permanecia imóvel na cama, e meus olhos estavam fechados observando o abismo dentro de mim. Hoje, não havia som de asas batendo lá fora, não havia o cheiro da poluição, e nem das flores plantadas perto da janela. Eu estava morto, então tudo também estava morto pra mim. Era assim que sentia-me, até alguém perturbar minha morte não literal.Vesti minha carcaça humana e me dirigi ao espelho, um rapaz, cuja aparência estava em decomposição, retribuía o olhar.
― "Morto. Você está vivo, mas está morto." - balbuciou, balbuciei.
Não fazia sentido, porém a ilógica era a lógica da razão. Caminhando para a porta, saí para o inferno. Demônios passeavam tranquilamente pela calçada, alguns cochichavam a vida alheia, outros vangloriavam os pecados que lhes convinham, e outros que mesmo silenciosos travavam um conflito interno. Continuei a caminhada, o frio ardia minha pele, queimando-a, é o inferno, afinal, tudo aqui queima e fede a pútrido de um desespero miserável.
Lá estava, a morte que vinha em sono eterno, desafiando a serenidade da beleza viva. As Moiras privilegiaram um gato infame com a morte no inferno.
Incomodado, voltei ao início da história antes de acordar. Degredei-me.
Hoje, mais um dia morri... Literalmente.
* As Moiras ou Parcas. Na mitologia grega as Moiras eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto dos deuses quanto dos seres humanos.