13. Tolice?

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Rose
— Tolice —

Armei-me novamente com o bisturi manchado de sangue e fiquei parada à frente da porta. O coração parecia que sairia pela boca, podia sentir o suor se formando em minha testa e mãos, fazendo o ferimento latejar. Estava prestes a explodir em um misto de ansiedade e medo, mas não queria criar alarde, muito menos olhar para Paloma, que parecia chorar às minhas costas. Se transparecesse medo, ela não me deixaria sair da sala.
Respirei fundo, e subitamente, sem pensar, abri a porta.
— Boa sorte. — Sussurrou ela ao fechar a porta.
O corredor parecia vazio, o silêncio me abalou, o alívio fluiu de uma maneira inexplicável. Respirei fundo pela milésima vez e disse para mim mesma que me acalmasse.
Olhei para todas as direções possíveis, não queria ser pega de surpresa, por isso estava atenta a qualquer barulho. Alguns ruídos eram ouvidos como gritos, e alguns rosnados pareciam vir dos andares abaixo. As luzes acima de mim já estavam começando a falhar.
Os geradores deviam estar com o combustível quase no fim. Na última vez em que olhei pela janela, a escuridão reinava.
Faltava umas cinco horas para o sol nascer, e se não saíssemos do hospital antes disso, com certeza, estaríamos às escuras.
E não seria uma boa ideia ficar preso no escuro cheio de criaturas famintas.
Olhei para a porta amarelada da sala onde Paloma costumava trabalhar. Manchas negras davam um novo tom à porta.
A criatura que a esmurrava devia ter se ferido ao bater freneticamente, pois pequenos filetes de carne se prendiam à madeira e à tinta.
Caminhei, tentando não me desconcentrar. O grande corredor parecia um cenário de um filme de terror. Cada passo guardava uma surpresa. Poderia, a qualquer momento, ser atacada pelos mortos comedores de carne. Passei as costas da mão ao rosto, tentando tirar o suor que se formara insistentemente em minha testa.
O medo e a incerteza de ser morta estavam me fazendo transpirar.
Só de pensar em como aquelas criaturas agiam, como corriam em minha direção querendo minha carne, eu ficava aterrorizada. Os gemidos demoníacos que saíam de dentro de suas almas obscuras era como se quisessem avisar a outros que uma presa suculenta havia acabado de cair em sua armadilha.
Não me imaginava sendo dilacerada e transformada em uma destas coisas. Não me imaginava perambulando pelos corredores à espera de um humano fresquinho para me alimentar.
Tirei o pensamento da cabeça e me coloquei a caminhar. A sandália rasteirinha fazia som de madeira em contato com o piso, o que me obrigou a andar descalça. A maioria das portas do grande corredor se encontrava fechada, visto que muitas das pessoas que frequentavam essas salas eram pacientes e funcionários que buscavam fazer fisioterapia. Sem falar que grande parte das salas que se encontravam em reformas estava juntamente no último andar, sendo este o motivo de ter poucos monstros à espreita.

****
Continuei a caminhar, quando, infelizmente, pude ouvir um rosnado. Encostei-me à parede, tentando ser sorrateira.
Olhei de canto para o fim do corredor.
“Droga”, pensei.
Havia seis criaturas perambulando feito baratas, para lá e para cá. Duas delas eram enfermeiras do hospital. Uma delas — minha amiga — Mariane. Ela ainda usava máscara e roupas cirúrgicas, era gorda e cambaleava como se estivesse bêbada. Sua garganta havia sumido, o que restava eram carne e veias saltadas em sangue negro. Seus olhos em tons de mel já não existiam, o branco leitoso tomara conta de seu lugar, dando uma aparência mais pálida a seu rosto. Ela não merecia ter se transformado, mesmo sendo a mais chata das enfermeiras.
As outras quatro criaturas eu desconhecia. Deviam ser pacientes que tentaram se afugentar dos demais, mas em vão, e acabaram no corredor esperando seu prato. Eram quatro homens entre os vinte e os setenta anos. Mas um deles me tirou a atenção, um gordo barbudo com roupas largas tinha um grande corte em sua barriga, e, de dentro do ferimento, suas tripas caíam como serpentinas se arrastando ao chão. O restante parecia ter apenas mordidas espalhadas nos braços, rosto e pernas.
Precisava pensar em como atrairia eles sem ser morta.
O plano era o seguinte: no fim do corredor, havia uma sala em reforma, que era sempre interditada e vigiada por um segurança. Ele bloqueava a passagem de todos, pois um enorme buraco de dez metros de diâmetro estava sendo fechado, e, em seu lugar, uma enorme janela espelhada surgiria. Tinha um pequeno parapeito junto a este buraco, que era possível usar para pintar as paredes.
Poderia usar esta sala como uma grande armadilha, vendo que, ao atrair as criaturas para a sala, elas saltariam para a morte, tentando inutilmente me devorar.
Se fosse cuidadosa e tivesse sorte, ficaria ilesa e segura no parapeito, e voltaria para o corredor vazio, onde poderíamos sair pelas escadas sem nenhum incômodo.
Foi o que fiz.
Saí correndo em meio às criaturas. Elas, sem entenderem o que estava acontecendo, correram segundos depois em minha direção. Os rosnados ficaram mais intensos. Corri, tentando atrair a atenção de todos. O senhor gordo e barbudo tropeçava em suas próprias tripas. O cheiro de merda adensado ao sangue incomodou o meu nariz.
O fôlego parecia estar se esgotando, tinha que atrair eles para a sala antes que minhas forças chegassem ao fim. A porta ficava a metros à frente. Para ser mais exata, eram mais dez metros até a sala. Corri, mesmo com o fôlego — sedentário — no fim.
Abri a porta em um chute e me deparei com o caos.
Pude ver materiais de construção distribuídos em várias partes. O cheiro de tinta fresca era emanado em todas as direções, o vento forte do buraco fazia a circulação do ar. Ele era gelado, o que me fez me arrepender de não estar usando uma blusa.
Era minha chance. Como planejado, seguraria no parapeito enquanto as criaturas despencariam de uma altura de mais de cem metros.
Se tudo desse certo, mais seis mortes entrariam para minha lista.
Rosnando e abocanhando o ar, eles me seguiram como gatos atrás de um rato fujão.
— Seus filhos de uma puta. — Gritei, indo em direção à janela.
O parapeito ainda em construção era pequeno e sem grades de proteção, com espaço apenas para uma pessoa.
Era minha única opção: tinha que acreditar que tudo daria certo e que o lugar era seguro, que não morreria em uma queda.
Apressei o passo, ouvindo os rosnados às minhas costas, e, quando me aproximei da janela, dei um salto para o parapeito.
Respirei fundo ao saber que havia dado certo.
Só faltava eles me seguirem e caírem para a morte.
Em questão de segundos, esperei um a um despencar.
Os rosnados se propagaram em uma distância inimaginável. Olhei para baixo, vendo a vastidão de um asfalto cercado por carros. O vento forte e gélido arrepiava minha pele, passei a mão sobre o cabelo quando finalmente ouvi os baques molhados ao chão. Foram seis quedas que, para mim, soaram como músicas. Os rosnados finalmente cessaram.
Não teríamos mais que

enfrentá-los

na saída. Jéssica conseguiria ajudar seu irmão e sairíamos vivos do hospital. Respirei aliviada e animada com o ocorrido, afinal, meu plano havia dado certo. Voltei para dentro da sala em construção, tomando cuidado para não escorregar. Voltei por onde entrei, relembrando o ocorrido…
Quando ia saindo pela porta, uma mão gelada agarrou o meu tornozelo, desequilibrando-me e me fazendo cair...

Redding - Sobrevivendo ao Apocalipse (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora