O sol que antes me vigiava do seu alto posto, na imensidão azulada do céu, não me vigia mais. No começo senti falta de seu calor, porém já me acostumei a viver sem ele. Agora tudo que vejo ao olhar para cima são os grossos ramos entrelaçados de árvores há muito mortas; nem sequer um feixe amarelado penetra por entre o emaranhado de galhos negros. E ao olhar ao redor, a paisagem se converte em uma sobreposição de tons púrpuras, quase que negros, impossibilitando a distinção daquilo que vejo; tudo se torna homogêneo e escuro. O ambiente é muitíssimo frio, quando expiro o ar de meus pulmões, sai de minha boca e narinas uma nuvem branca, destacando-se na negritude do horizonte invisível.
A quietude daqui se torna martirizante, só o que ouço são meus passos pesados sobre a terra e o barro úmido. Até a água não produz mesmo o mínimo movimento - se é que se pode chamar este liquido obscuro, gosmento e extremamente espesso de água, como aquela de uma bela coloração azulada dos rios e lagos que nadava quando criança -, a não ser quando acidentalmente toco com uma de minhas botas em sua gélida superfície, enquanto vago cego através das árvores.
Entretanto, tenho a mais profunda certeza de que não estou só nesse lugar, pois, quando viro minha cabeça rápido o suficiente, vejo de relance os olhos daqueles que me espreitam na opacidade da distância que nos separa. Em tempos esses olhos são de um escarlate intenso, mas há também os de um amarelo fluorescente ou mesmo verdes; assim deduzi que mais de uma alma me observa enquanto estou perdido além da percepção do mundo moderno.
Esses seres me seguem qualquer que seja minha localidade; no total silêncio dessa noite perpétua eles testemunham o perambular no qual me encontro preso, como espectadores mudos de um show de televisão infesto, que veem o flagelo e a perdição de outro com um malévolo agrado.
Inúmeras divagações sobre o que é esse lugar e o que estou fazendo aqui já me passaram pela cabeça, algumas improváveis, outras impossíveis, mas todas sem o menor sentido. Penso que meu já danificado cérebro procura infindavelmente um motivo para essa situação, porém também sabe que não há motivos sensatos para tal, então encontra um alivio momentâneo em fantasias tolas e absurdas, que não levam a nada senão minha própria destruição.
Certa vez sonhei acordado que estava sendo alvo de um experimento desumano sobre a loucura, aonde os diversos olhos seriam os cientistas e esse lugar uma simulação; durante esse período me tornei excessivamente paranoico, tentei por diversas vezes me comunicar com as mentes perversas por trás desse experimento imaginário. E no ápice dessa paranoia, palestrei sobre a moral e os princípios da convivência humana, repreendendo inutilmente espectadores fictícios; num monólogo supérfluo discursei como um homem ébrio faz com uma parede, para depois perder um bom senso quase inexistente e entrar num estado de frenesi, me debatendo em vão contra a parede de pequenos e grossos troncos. Não quero sequer me imaginar em tal infame condição que o total isolamento trouxera à minha tênue mente.
Quando tudo isso acabou - assim como fizeram os que o antecederam, todos os inúmeros insanos sonhos em busca de um motivo, de uma razão - e eu me vi novamente perdido num labirinto despojado de luz ou som, desconhecendo por completo o que acontecera para eu me encontrar aqui, e sem saber se um dia voltaria a ver aqueles que me acompanhavam outrora, no mundo conhecido, outra fantasia se apossou dos meus pensamentos. Por entre outras que se sucederam, e iriam se suceder infinitamente, acredito, essa fora a que mais se destacou. Vejo agora que, embora ela não fosse mais simples do que a já descrita previamente, era mais crível - não que isso a torne minimamente lógica, pois compreendo que nessa soturna realidade nada pode ser inteiramente lógico.
Algum tempo depois de me recuperar de outro ordinário devaneio - um dos que não vale a mínima pena compartilhar, pois em nada acrescentará à carcomidos papéis, e instigará em você ainda um conceito errôneo sobre em qual estado de lucidez minha psique se encontra, além de acarretar na perda de uma credibilidade já muito deteriorada dada as experiências que antes partilhei - esbarrei num altar, tal como fiz diversas vezes com as árvores que se camuflam no lúgubre ambiente, tornando-se invisíveis àqueles que não enxergam no escuro.
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A Escuridão
HorrorO que você faria se uma completa escuridão tomasse posse de seu mundo? (Conto de terror, capítulo único).