RACINES - PARTE I

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A rua estava vazia, deserta, sem nenhum sinal de alguma alma viva existente por ali. Exceto a silhueta voluptuosa por baixo de um longo sobretudo vermelho sangue, pertencente a Aylla. Por mais que tivesse um bom emprego e boas condições de vida, ainda morava em Clichy-sous-Bois, subúrbio de Paris. Era ali onde construiu sua vida, e não largaria aquele lugar de forma alguma, por mais maldito que fosse.
O problema, era que ainda era um subúrbio. Isso significa, um lugar cheio de sonhadores, porém também, com uma marcante disseminação de ódio e revolta. Seu apartamento ficava em um prédio antigo, ornado com entalhes estilo arte nouveau, numa rua não muito movimentada. Sempre saia de seu trabalho as 18:00, porém, como uma boa boêmia, só chegava em casa às 22:00. O metro ficava a cerca de 500 metros de sua casa, então isso requer uma pequena caminhada. Não muito pequena, porém longa o suficiente para que desenrolasse o seguinte ocorrido.
Três jovens, de aparência árabe, que não passavam de 16 anos, começaram a seguir, e logo, mais 2 a cercaram pela frente, a impedindo de prosseguir.
– Podem levar! – disse em tom de rendição, fazendo menção em entregar seus pertences, como a bolsa, relógio, brincos. Mas eles nada disseram, tampouco pegaram suas coisas. Uma expressão de decisão estava estampada seus rostos, tinham certeza do que estavam fazendo.
A rua pouco iluminada não ajudou Aylla em nada assimilar o que estava acontecendo, mas só teve certeza de um momento em questão. Um outro jovem, talvez mais velho que os outros, se aproximou de forma rápida, com algo na mão, uma verga de ferro ou um pedaço de madeira, e disse:
– "Jeremias 6 : 11-12."– e em seguida, deu uma pancada na cabeça da mulher, a deixando desacordada. "Mas a fúria do Senhor dentro de mim transborda, já não posso retê-la".

[...]

Aylla acorda. Não estava mais nos arredores da sua casa. Tampouco reconhecia o local onde estava. Se encontrava em uma espécie de sala, vazia, exceto pela mesa de metal ao centro com duas cadeiras, uma oposta a outra. As paredes eram brancas e possuía uma boa iluminação. Aylla estava encostada em uma parede, e do seu lado havia uma garrafa d'água junto a um cobertor. "Pelo menos se preocupam com a minha sede", disse com escárnio, tentando analisar a situação. Não vestia mais o seu sobretudo, vestindo então apenas uma calça jeans de lavagem escura com um suéter de lã de cor azul bebê. Seu cabelo estava bagunçado, e havia vestígios de fuligem em seu rosto. Também notou que nos seus pulsos haviam marcas de cordas, o que deixou a entender que a amarraram quando a trouxeram para aquele lugar.
– Sente-se. – uma voz soou na sala, com tom de ordem. Não fazia ideia com o que estava lidando, afinal, o que alguém teria para tratar com uma simples arquiteta? Mas obedeceu, porque sabia muito bem do seu passado, e o que aconteceu nele; e então vai até uma das cadeiras. Logo, escuta a porta se destrancar, e em seguida dois homens entram, seguranças provavelmente, e ficam em prontidão paralelos a porta. E então, entra um homem: alto, forte, com os cabelos negros feito ébano e feição dura como uma pedra. Usava óculos escuros e vestia um terno. Ele dispensa a presença dos seguranças com um gesto, e eles saem da sala, em seguida fechando a porta. O homem se senta na cadeira oposta a de Aylla, e então tira os seus óculos.
– Sentiu minha falta? – disse o homem. Seus olhos verdes musgo a fitavam, o que a deixou um pouco inquieta.
– Como me achou? A Europa é enorme. – respondeu a mulher, secamente.
– Fala como se eu não te conhecesse. Você sempre amou a França. E me surpreende você morar num local como aqueles se quer fugir de mim, sabendo que minha família controla toda aquela área. Você é ingênua, não burra.
– Não sou ingênua. Perdi tal qualidade quando fugi, felizmente. Mas o que quer, enfim? Não estamos mais na Turquia, as leis de lá não valem aqui.
– Você sabe o que eu quero. Uma explicação, uma resposta. – a carranca dura se desmancha, mostrando que havia sentimentos naquele homem, apesar de não demonstrar. – Você fugiu, no dia do nosso casamento. Como poderia esquecer? Eu gostava de você, não era um monstro.
– Eu não queria casar com você. Nosso casamento foi arranjado. Não sirvo para ser a esposa de uma pessoa como você. E aliás, eu tinha só 18 anos! – Disse, com raiva, mas apesar de tudo, lembrar de tudo aquilo a deixou emocionada. Tinha sentimentos por ele, apesar de tudo.
– Mas as coisas funcionam assim, por Deus! Você é impossível Aylla. Não poderia fazer aquilo.
– Porém fiz, Münir. E o que você quer comigo, 10 anos depois?
– Você sumiu. De uma hora pra outra. Você tem família! Todos ficaram preocupados, alguns furiosos até. O que tem na cabeça para sumir no mundo e não dar notícias?
– Eu precisava ter feito isso. Você sabe que sim. E não respondeu minha pergunta. – Aylla respondeu, com a voz embargada.
– Certo. Vamos lá. Vim te fazer uma proposta. Talvez goste, talvez não, mas quero que a considere com sensatez. – Fez uma pausa. – Sabe que apenas alguém que pertença da linhagem imperial pode governar a região em que você nasceu. Sendo você a primogênita, seria nós dois que governaríamos, se estivéssemos casados. Mas depois de tudo aquilo que aconteceu, os seus direitos passaram para sua irmã mais nova, Meryem. Ela se casará com um sujeito, do clã dos Yasaran. Só sabendo disso, sabe que isso não pode acontecer. Os Yasaran não podem controlar a região, eles são muito corruptos e não tem respeito pelo legado da sua família. Eles apenas querem o poder. Mas o seu pai está muito doente, muito doente mesmo; e o desespero dele está fazendo com que o pobre coitado aceite esse casamento, e a união dos clãs.
– Certo... E o que você espera que eu faça para impedir?
– Case-se comigo! É a única forma de impedir. Sabe que a minha família é a mais indicada para governar a região. Somos clãs amigos, daria tudo certo, Aylla.
– Eu não gosto de você! Me desculpe Münir, mas não gosto. E outra, estamos no século XXI, pelo amor de Deus! Chega de casamento arranjado né?
– Por favor, Aylla, só te peço isso. Faça isso não por mim, mas pela a sua família. Não precisaríamos dormir em quartos juntos, e nunca irei te tocar. Mas por favor Aylla, não deixe que os Yasaran se unam ao seu clã. – Suplicou.
A sala permaneceu num silêncio mortal por alguns minutos, até que Aylla responde.
– Não tenho uma resposta para essa sua proposta ridícula e absurda, mas pensarei em algo para ajudar. Mas, aceito ir para a Turquia, se assim desejar. Visitar o meu pai doente, apenas.
– Quando?
– O mais breve o possível.
– Perfeito. O avião está pronto para partir, e quando quiser, partiremos.
– Certo, passarei em casa para pegar minhas coisas.
– Não será necessário, preparamos uma mala com as coisas essenciais para você, e além disso tem a sua bolsa. Mas se assim desejar, não tem problema.
– Você pensa em tudo, hein Münir? – Esboçou um sorriso, apesar da sua expressão de preocupação em seu rosto.
– Sim. Vamos?
– Vamos.
Os dois se levantam da cadeira e se dirigem para a porta.
– E onde estamos, afinal? – Disse Aylla.
– Não posso te falar isso, querida. É supersecreto.
– Não me chame de querida.
E seguiram para o jato particular do homem.

[...]

Aylla se sentou em um assento na janela, longe de Münir. Apenas os dois e o piloto iriam viajar, o que era bom, ou não. Já estava mais tranquila, sabendo o que estava acontecendo, mas ainda tensa, sabendo o que viria pela frente. "Au revoir, mon Paris", pensou, enquanto o avião decolava. O voo seria longo, então tomou uma pílula para ajudar que ela dormisse. Fechou os olhos alguns momentos depois, e a última coisa que viu foi Münir, lendo o jornal, e então adormeceu.

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⏰ Last updated: Mar 17, 2017 ⏰

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ONCE UPON IN PARISWhere stories live. Discover now