| LUCAS OTELLO
Alguns meses atrás..
Irecê, Bahia.
A vontade que eu tenho, é de bater no Vini. Não sei onde eu estava com a cabeça quando aceitei seu convite para visitar sua avó. E no fim de mundo que a Dona Rosa mora quase não tem sinal de celular.
Que lugar nos dias de hoje não tem sinal de celular?
Não sou viciado em mexer na internet, mas aqui não tem nada para fazer. Desde que cheguei há dois dias só comi, dormi e mexi no celular quando o precário sinal de rede resolvia aparecer.
Eu sou uma pessoa hiperativa, e ficar sem fazer nada é horrível."Vamos à rua, Lucas" Vini entra no quarto e para ao lado da cama onde estou. "Vovó quer que eu compre mel."
"Pra que ela quer mel?" Fecho a galeria de fotos do celular.
"Para fazer chá ou alguma coisa assim." Ele revira os olhos. "Vamos logo ou ela arranca minha cabeça fora." Ele pega o seu celular de cima da mesinha ao lado da porta e enfia do bolso, depois de dar uma olhada na tela.
Penso um pouco antes de levantar e calçar os chinelos. Não tem muito que fazer por aqui, então o melhor é sair e andar um pouco. "É muito longe daqui até o centro da cidade?" Pergunto.
Vinícius balança a cabeça enquanto descemos a escada da varanda da frente. "Meia hora, mais ou menos. Por quê?"
"Você não está cansado de ficar dentro de casa, sem fazer nada? A gente pode sair à noite e você me mostra a cidade."
"A gente pode ir amanhã, hoje eu fiquei de ir com a minha mãe e minha avó pra missa." Balanço a cabeça em concordância.
Estou acostumado com o interior. Sou do Rio de Janeiro e meus avós tem um pequeno sítio em Campos dos Goytacazes, onde moram. E mesmo lá sendo uma cidade grande com mais de quinhentos mil habitantes, tem um certo charme de interior. Amo quando vou visita-los. Andar a cavalo é uma das coisas que eu mais gosto de fazer por lá. O cheiro do campo me fascina.
"Já estou arrependido de ter vindo. Preferia estar trabalhando nesse momento." Falo a verdade.
Ele para no meio da rua e segura meu braço. "Para de ser dramático, porra. Ficar uma semana aqui não vai te matar."
Tiro a mão dele do meu braço e volto a andar. "Pra que a gente veio pra cá mesmo?"
"Eu tinha que vir visitar minha avó, e te chamei pra me acompanhar." Ele diz, atravessando a rua de barro. "Mas já estou me arrependendo." Ele revira os olhos.
Vinícius é um cara muito apegado à família. Seus melhores amigos são sua mãe e seu tio, Jonas. Seu pai morreu quando ele ainda era um garoto. Com frequência, sua mãe, Helena e ele se deslocam do Rio de Janeiro ate Irecê, na Bahia, para visitar sua avó. A mulher mais teimosa que eu já conheci na vida é a avó do Vini. Dona Rosa tem setenta anos, e se coloca uma coisa na cabeça, não tem quem tire. E quando seus filhos precisaram se mudar para o Rio de Janeiro, nada a fez sair de sua cidade natal, onde ela nasceu e cresceu. Abençoou seus filhos e continuou onde estava.
"É ali na frente." Vini diz. Ele aponta para uma pequena loja. Tem uma senhora sentada em uma cadeira de ferro, descascando uma laranja. Provavelmente é a dona da lojinha de produtos naturais.
Distraio-me quando vejo uma garota caminhando do outro lado da rua. Ela carrega uma grande caixa de madeira nas mãos. Mas o que me chama a atenção nela são os seus longos cabelos ruivos, que passam da cintura. A única coisa que consigo observar de longe é sua estatura baixa. Ela veste uma saia jeans e uma blusa curta cor de rosa. Não sei por que, mas essa combinação de roupa a deixa ainda mais interessante.
Continuo observando enquanto ela olha para os dois lados da rua e atravessa. A caixa em suas mãos parece estar pesada pela força que ela faz para não deixa-la cair no chão. Sei que, de acordo com a educação que recebo em casa, devo ajudar a garota a carregar a caixa, mas não consigo sair do lugar, estou hipnotizado.
Por ela.
Sinto Vini me cutucar com o dedo e me chamar, mas eu não me movo. A ruivinha para ao lado da senhora, que está sentada na cadeira.
"A senhora vai querer mais alguma coisa? Eu preciso ir pra casa." Consigo ouvir sua voz, baixa, mas clara. Ela pisca e tenta afastar o cabelo do rosto com o ombro.
Com um suspiro, ela deixa a caixa no chão, aos pés da senhora.
"Não, menina. Pode ir para a sua casa. Obrigada!" A senhora responde e pega um pouco de dinheiro da bolsinha que carrega atravessada no peito e entrega para a garota. "Vai com Deus, filha."
"Obrigada, madrinha. Até amanhã." Ela se despede da senhora com um beijo no rosto e vai embora.
Sem pensar duas vezes puxo o Vini pelo braço e sigo atrás da garota.
"O que você está fazendo, Lucas?" Ele diz baixo. "Nós temos que comprar o mel pra minha avó logo."
"Fala baixo" Olho pra ele enquanto caminhamos atrás da garota baixinha, que me deixou balançado. "Não vamos demorar".
Sem muito o que falar, caminhamos quietos até a casa da garota, que não fica muito longe da loja. Ela para em frente a um portão de madeira. A casa não é luxuosa, e é igual a todas as outras dessa região, pequena e simples. A ruiva abre o portão e entra, quando se vira para fechar o portão seus olhos se cruzam com os meus. Dou um pequeno sorriso, mas não sou retribuído. Ela fecha rapidamente o portão e entra na casa.
"Já até sei o que acontece a partir de agora." Vinícius ri. "Você é muito previsível, mano."
"Eu me interessei por ela." Digo, ainda de olho no portão fechado. "Qual é o problema em eu a chamar pra sair?" Pergunto, mas ele só balança a cabeça e solta um riso baixo.
Qual é o problema?
***
VOCÊ ESTÁ LENDO
UMA PARTE DE MIM
RomanceTodos os direitos reservados. Copyright © 2022 Rafaela Saints