Doze Caixões

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Acredite em mim, filho, quando te digo isso: há coisas nesse mundo que ninguém entende. O bardo já falava isso no tempo dele. O maldito do bardo. E ele estava certo. Ah, se estava! Não acredita em mim, filho? Então deixa eu te contar uma história lá do meu tempo.

Quando eu era só um garoto de calças curtas correndo atrás de galinhas numa cidadezinha as coisas eram duras. A fronteira era perigosa naqueles tempos, cheia de bandidos cruzando para cá atrás de encrenca. Era difícil manter eles longe então não tinha lá muitos comerciantes. E na minha época não tinha essas mordomias que tem hoje em dia! Então era criar animais, caçar ou morrer de fome. Meu pai caiu doente por volta desses dias, a criação não dava dinheiro e minha mãe tinha acabado de parir mais um irmão. Já eram seis bocas para alimentar e sem o meu pai só restava eu para garantir que não ia todo mundo morrer de fome. Um dia eu tive que ir caçar. Com a espingarda do meu pai nas costas, doze balas no meu bolso e um chapéu na cabeça eu saí de casa decidido a voltar apenas quando estivesse levando junto comigo alguma carne.

O Sol ardia na minha cabeça, por quilômetros nada aparecia no deserto. Nem sinal de pássaro ou gamo. Fiquei por mais de um dia procurando e tudo que achei foi carcaça de gado, carniça e urubus. Sentia-me um pedaço de carne posta para secar naquele calor dos infernos. Minha garganta estava seca e a minha cabeça doía. Eu era só um moleque tentando caçar sozinho pela primeira vez, garoto. Tinha bebido água demais e agora quase não tinha mais nada no cantil. Se ficasse sem água quem ia ter carne para comer eram os urubus. Enquanto procurava, por um momento achei que vi alguém parado longe no deserto. Era um sujeito esquisito, vestido de caubói, usando um poncho e roupas gastas. Gritei para ele para ver se o tal respondia, mas ele simplesmente desapareceu no ar. Na hora, pensei que o Sol estivesse afetando meus miolos. Não era coisa difícil de acontecer naquele calorão desgraçado. Deixei para lá. Tinha mais com que me preocupar do que com gente que aparece e desaparece.

Já estava enrolando o rabo e dando a volta quando finalmente vi um bom sinal. Gamos. Um macho e duas fêmeas, bem longe e distraídos. Podia atirar neles e não iam nem notar. Era perfeito. Perfeito. Se acertasse um daqueles bichos ia ter carne em casa por um bom tempo. Puxei a espingarda e fiz mira demorada. Tinha tempo, mas não chance de errar. Ajeitei a pontaria, endireitei as costas, prendi o ar nos pulmões e puxei o gatilho. Foi um tiro só, bem nos miolos de uma das fêmeas. Os outros dois saíram correndo num pulo. Mas nem importava. Mesmo que acertasse, não ia ter como carregar aqueles dois de volta. Já tinha uma caça, agora era levar de volta. Esporei o cavalo e só o deixei parar bem do lado da carcaça. Espantei os urubus a tiro e comecei a carregar o bicho no cavalo. Não tinha como voltar para casa antes do escurecer, então ia precisar de um rio para esfolar o gamo. Enrolei a caça no pano, amarrei-a no cavalo e já estava quase indo embora. Foi aí que vi um grupo de uns três, quatro homens a cavalo vindo em minha direção.

Podiam ser índios ou bandidos. Com o peso extra no cavalo não ia ter como fugir. Peguei a espingarda e me preparei para atirar se eles fizessem qualquer coisa perigosa. Tentei mirar num deles, só que uma bala arrancou a arma da minha mão. Nisso o meu cavalo se assustou, me derrubou no chão e fugiu. Os homens, e eram quatro, como eu tinha pensado, me cercaram montados. Três deles, dois mexicanos e um negro, apontaram pistolas para mim, enquanto o quarto, um sujeito loiro metido numas becas pretas, desceu do cavalo e parou bem na minha frente.

— Mas olha só – ele disse. – O que está fazendo aquilo, pivete? Procurando problema? Ou você é bandido?

— Eu estava caçando – eu respondi. – Minha família não tem dinheiro, a criação está fraca e meu pai está doente. Só tenho eu para conseguir comida.

O loiro e o negro se entreolharam e o segundo falou assim:

— Acho que ele pode servir. Melhor levar ele para o chefe.

Doze CaixõesOnde histórias criam vida. Descubra agora