MEU QUERIDO F

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Suas mãos passavam pelas minhas pernas, sem delicadeza ou menor afeto. Sua boca encontrava minha pele de diversas formas, mas nunca meus lábios. O desejo estava presente, já o prazer mútuo não existia. Era talvez a quarta ou quinta vez em que me encontrava em um motel qualquer aquela semana. Desejo. Prazer. Necessidade. Chame do que quiser, eu precisa de sexo.
Minha história por outro lado não começa assim, ou nem mesmo termina de tão boa forma. Do fim da minha história já fiquem cientes, não acaba nada bem. Mas, não se começa uma boa história pelo seu fim, certo?
Errado.
Meu fim se deu no dia 24 de Julho de 2022.

morta.

A morte pode ser algo grandioso ou miserável. Digamos que a minha seguiu pela segunda alternativa. Por mais que continuar com o presente esteja bem interessante, o passado me parece bem mais tentador.
Em 2015, por exemplo, onde tudo "começou".
Sabe aquele ditado "me diz com quem andas que te direi quem és"? A realidade pode ser algo do gênero. Meus pais faziam questão de me dizer isso sempre. Todo dia, sem exagero. Em 2015, aos dezoito anos, entrei na Universidade Federal de Pernambuco. Grande conquista para meus pais, uma vez que me encontrava no curso que eles queriam tanto que eu fizesse. Mas, naquele momento, o curso que eu fazia não poderia me interessar menos, assim como a igreja à qual era obrigada a frequentar todo domingo.
Naquele momento, tudo que me importava era a liberdade que a universidade me proporcionava, sem pais supervisionando horário de saída e chegada, sem professores se importando com a minhas notas, muito menos minha presença, e sem colegas se importando com o que você faz ou deixa de fazer. Foi nessa época que minha vida pessoal começou a acontecer, de uma forma inesperada. Doentia.
Minha obsessão começou aos quinze, ao ver o primeiro pornô.
Foi interessante por algumas semanas, mas só ver não era suficiente. Meu corpo sentia uma necessidade a qual minha sanidade não conseguia lidar.
Então comecei a me tocar.
Mas, em alguns meses, também já não era suficiente. O desejo nunca era suprido e então só tocar não era suficiente, o uso de artifícios extras e bizarros se tornou algo comum, mas não passava de uma necessidade, o prazer era tão rápido, tão insignificante a todo o desejo carnal que eu sentia.
Mas, o grande dia se desenrolou no ano de 2014. Aos dezessete anos, quando usei minha primeira e única identidade falsa. Naquele ano, me encontrava no ultimo ano do ensino médio. Na minha sala entrou uma novata, Bay. Ela era, digamos que, o último tipo de pessoa que meus pais gostariam que eu fizesse amizade. E talvez por isso nos tornamos amigas tão rápido. Ela era alguém de longa experiência naquilo que eu me tornaria mestra um dia.
Não demorou mais que três meses para que ela não só me convencesse a fazer uma identidade falsa, como também a usá-la. Foi a noite que deu inicio a muitas outras de "dormidas na casa da Bay". No começo era muito álcool e muitos beijos e amassos com caras aleatórios durante toda a noite. Com o passar do tempo, virou rotina e algo sem graça. Foi aí que um ser do sexo masculino se fez presente no meu histórico sórdido, por assim dizer.
Daniel,
O cara com o qual tive minha primeira noite. Nada de encontro, romantismo ou sequer delicadeza. Apenas desejo. Foi num banheiro de um bar qualquer na Rua da Moeda em que o desejo se tornava algo mais insaciável.
Daniel era um cara qualquer entre seus dezenove ou vinte anos, não fiz questão de perguntar. Nosso diálogo não passou de palavras de baixo calão e muitas mãos e respirações ofegantes. Ele notou minha virgindade em meio a todo o acontecimento, mas aquilo não o parou, só o fez querer mais. A busca pelo prazer era descomunal, suspiros e apertos desesperados eram o que existia, até o prazer se fazer presente para ambos. Era o que eu achava. Até meia hora depois do acontecimento não me sentir satisfeita.
Então, numa outra noite e em outro bar, com outro cara, recebi meu primeiro oral. Algo que só tinha visto de longe, e não tinha noção do quão prazeroso se poderia ser.
Pedro,
Aquele que me proporcionou o meu primeiro oral.
Lucas,
Aquele em quem eu fiz o primeiro oral.
Caio,
Aquele com quem minha virgindade anal se perdeu.
Luíza,
Minha primeira relação com alguém do mesmo sexo.
Então, anos se passam e parei de contar. Parei de me prender ao que eu fazia, com quem fazia, e só fazia.
Ao longo dos anos, parei de pensar naquilo como algo normal, o desejo que eu sentia, tinha noção de ser algo fora do normal. Toda noite com alguém diferente. Sem sentimentos, sem preocupações.

Passos firmes, perfume marcante e formigamento nas minhas vontades. É o que me lembro do Fábio.
Fábio, nome pequeno, rápido, mas delicioso de pronunciar.
Em um dos últimos períodos da faculdade, tive o prazer de ter o Fábio como professor em uma das cadeiras do meu curso. Tudo nele me atraía: sua voz, seu perfume, seu jeito de andar. A cada palavra que saia de sua boca, cada linha traçada no quadro só me fazia mais louca pela sua presença, mais presente.
Não demorou mais que alguns dias para nos aproximarmos. Começando com pequenas trocas de olhares, mordida de lábios, troca de apoio de pernas e pequenos sorrisos de lado.
Como se fosse a coisa mais normal, numa quarta-feira qualquer, nos encontrávamos mais íntimos que esperado, porém, menos do que eu precisava. Ele se sentia fora de lei por estarmos aos beijos, mas para meus desejos, aquilo não passava de brincadeira de criança. E naquele dia tive uma das melhores relações, sem ressentimento, sem nojo. Com carinho e além do desejo, com paixão.
E de uma tarde, passou para encontros noturnos. Cada vez mais frequentes até se tornarem uma pseudo-relação. Com meu comprometimento com Fábio, pensei que sua presença supriria meus desejos. Eu o desejava, era prazeroso, eu o amava. Seria suficiente para me satisfazer, certo?
Errado.
A cada relação com Fábio, o desejo de algo mais só aumentava. Nosso prazer era bom, suficiente até eu encontrar alguém atraente, onde quer que fosse. Aquilo me matava. Eu o amava. Por que não conseguia me satisfazer? Eu o queria todo dia, todo instante. Mas queria outros também, queria o tempo todo, queria sempre mais e mais.

MAS EU O AMAVA.
EU O AMO.

Já não entendia quem não se satisfazia: a carne ou a mente.
Eu o queria.
Assim como eu queria sexo.
Foi num posto de gasolina que não consegui me conter e foi com o Flávio que comecei a suprir minhas necessidades diárias. Comecei a trair o Fábio.
Fábio, Flávio. Tão parecido. Tão diferente. Tão delicado. Tão grosseiro.
Tudo parecia ir bem, até ambos meus Fs não serem mais suficientes. Era doentio. Eu só queria mais e mais. Nunca satisfeita, era pouco. Então Fernando apareceu e foi bom de novo. Os três me mantinham satisfeita até aparecer mais alguém, e assim se prosseguiu minha jornada de obsessão por Fs. Mas, eu ainda amava Fábio, ele me amava. Nós nos amávamos e quando amávamos, todos os outros desapareciam. Até o ápice se dar por encerrado e as respirações se acalmassem. Todo o desejo e a necessidade voltavam, e Fábio deixava de ser suficiente. Todo dia, todas as relações do mesmo jeito.
Foi no trágico dia 24 de julho, presente o qual aqui me encontro, às dez horas da manhã, que meu último dia se iniciou.
Ao sair inocentemente nessa manhã, não tinha a menor intenção de conhecer outro F ou me encontrar com aqueles que eu já conhecia bem. Foi andando sem rumo pelas ruas do bairro central do Recife que me encontrei na frente de um bar. Obviamente, pelo horário, o bar se encontrava fechado para clientes. Já os funcionários estavam limpando e organizando o local para mais uma noite de abertura.
Porém, o bar era a última coisa que chamava minha atenção, mas, sim, um dos funcionários que se encontrava sem camisa. Era tão másculo, tão bruto, tão tudo que eu queria. Eu deixava por entre olhadas meu interesse, enquanto ele não perdia nenhuma oportunidade de me olhar, ou se mostrar também interessado. Foi ao ouvir alguém o chamar que não pude me conter com as sensações.
- Fábio! Traz a mesa pro lado de cá!
E isso foi o suficiente para que eu me encontrasse no mesmo bar pela segunda vez nesse dia, mas agora às 22 horas.
A noite começou com alguns drinks e a procura incansável pelo meu F da vez. Não me continha para saber como era sua voz, seu toque, seu cheiro. Só de pensar na sua imagem me sentia em outro mundo. Foi quando menos esperava que senti uma mão pela minha cintura e uma voz aveludada a minha orelha.
- Estava esperando você aparecer.
Não precisou mais nenhuma palavra para que eu tivesse minha boca na sua. Os beijos foram suficientes por alguns minutos, mas só aquilo não era o que eu tinha em mente, então quando uma fugida do local foi sugerida, não pensei duas vezes. Talvez eu devesse ter pensado, mas sanidade nenhuma passava entre meus desejos em momentos assim. Logo estávamos numa rua deserta, na beira de alguma parte qualquer do Capibaribe. Mas, eu o queria naquele momento.
E eu o tive. E ele me teve. Sem palavras doces e carícias. Talvez o mais bruto que já me relacionei. Talvez o mais prazeroso do qual provei.
A cada segundo que passava, mais bruto ele ficava e mais desejo eu tinha. Ao mesmo tempo, parte de mim com mais medo ficava.
A carne pedia mais.
A sanidade pedia paz.
E foi ao chegar ao ápice que me senti em êxtase, para só então notar: minha morte havia de chegar.

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