Como o fogo arde a ponta, a fumaça sobe e a pressão abaixa. Uma olhada em volta e o mundo não é mais tão assustador, não tem mais tanto valor ou simplesmente desfoque, tudo é tudo, e o tudo não é nada que importe, pelos próximos vinte minutos. É tempo demais para um cigarro, mas o que é bom deve durar, no meu pensar, sem preocupação. Ainda sim, o sabor amargo que eu tanto gosto toma conta de minha boca e minha existência. É a válvula de escape por onde a minha vida vai escapar aos poucos, eu sei, mas cada minuto vai ser o mais prazeroso. O cigarro é a prova da liberdade, de escolher a calma morte, de uma pessoa sem raízes.
Já imaginou que um cigarro poderia ser a melhor terapia ? Como algo consegue parar o tempo e ao mesmo levar por debaixo dos panos. É um delicioso desprazer à longo prazo. Uma gota cinza e amarga no azul da vida, faz um bem maldoso, em um cigano sinuoso. Já fazem cinco minutos, mal foi-se a metade, a fumaça ainda sobe vivida, e os arrepios constantes de cada tragada percorrem-me, como eu já percorri a metade desse mundo.
Existe beleza em se matar ? Talvez. Mas uma coisa eu sei, existe beleza em cada canto desse mundo vasto, desde a grande cidade, até o remoto interior, ao litoral desértico ... Eu vi muita coisa. Por poucos dias de estada, impérios e romances emergentes, se formavam e sucumbiam tão velozes, mas tão marcantes.
No final das contas é disso que se trata, de marcas. A marca de um cigano é o charme de sua presença sem rumo, a aventura sem fim que a vida parece ser, uma tortura.Dez minutos, a fumaça guia meus olhos em direção ao céu enquanto se esvai, olhar acima de sua cabeça é algo incomum hoje em dia, não é ? Estão todos mais preocupados com as laterais, ou à frente, nunca acima. Eu sempre gostei do céu, quando criança costumava ver o entardecer e o anoitecer com meu meu irmão, o surgir das primeiras estrelas em contraste com a escuridão do céu, naquele tempo, todas as cores eram mais vívidas, eu não fumava ainda, os dias não pareciam uma perda de tempo, ou de sopro. Ah, que lástima, mas eu vou morrer de qualquer forma, porque não de uma forma que me faça bem não é mesmo ? Já ouvi dizer que um bom homem escolhe como vive, a forma como termina está inclusa ? Talvez. O talvez.
Quinze minutos, é como se quada quarto de cigarro fosse tão preciso quanto o relógio, prestes às considerações finais, e inconclusivas, diga -se de passagem. Eu não tenho arrependimentos, nenhum, jamais. A brasa do cigarro, sempre me chama atenção na reta final, parece existir uma mudança de tom, em vista da queima do tabaco, que vai perdendo o avermelhado, aos poucos, queimando. Com a vida acontece o mesmo, aos poucos, os tons desbotam, e as cinzas caem, nem se quer se agrupam, simplesmente são sopradas ao vento e somem, se transformam em qualquer outra coisa.
Os últimos cinco minutos, a despedida. O fim de minutos diários de prazer, o desligamento e a falta de atenção ao desnecessário em meu redor. Posso sempre ascender mais um, após o outro, e outro, mas a graça desse suicídio, é a lentidão, é o vagaroso prazer de saber que estou me envenenando tão lentamente que posso até sentir, é ser seduzido pelo odor da nicotina enquanto ela me corrói por dentro. É o meu controle, sobre como vou acabar comigo mesmo. Definitivamente, é o meu controle.
Ultima tragada, a fumaça sai pelas minhas narinas devagar, arrepios, os olhos fecham, a mente vazia... É hora de ir.