Prólogo

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Mais um dia renascia na bela Baixada Fluminense, as ruas movimentadas denunciavam que o domingo chegara, algumas pessoas passavam vindo da igreja, outras já começava a acender suas churrasqueiras. O som do pagode clássico vindo da casa ao norte da rua se misturava com o "tuc tuc" do funk do vizinho dos fundos. O cheiro de churrasco lutava contra o aroma da cerveja barata e o frango assado da padaria quentinho se introduzia na batalha.

— Huuuuum! Está sentido? — Aspirava o forte cheiro, movimentando as narinas de forma engraçada.

— Cheiro de frango assado ou de churrasco? — Parou de desenhar, tentando se concentrar em qual cheiro era mais evidente para a prima.

— Não vai conseguir diferenciar tão cedo, Miguel! — Riu da cara confusa do loirinho e continou usando o seu giz de cera do desenho que fazia.

— Acho que é do almoço, bebê.  — Dona Helena surgiu, sorridente, ao lado da filha e do sobrinho, com dois pratinhos na mão, verde e azul, Annie e Miguel se levantaram largando suas tralhas pelo caminho seguindo-a.

Assim que chegaram na cozinha se sentaram em suas respectivas cadeiras, até que deram por falta de alguém.

— Cadê o tio Jonny? — Miguel perguntou, todo lambuzado com o caldo de feijão.

— Seu tio foi ao mercado. Finalmente aquele gordo ridículo resolveu pagar o que nos deve! — Os dois pimpolhos riram com o xingamento, todos bonitinhos sujos de comida.

— Então vamos sair no final de semana, mamãe? — Annie perguntou enquanto tentava cortar o bife, respingando molho na mesma.

— Eu não sei, bebê. — Helena se abaixou limpando o macacão cheio de molho de tomate com um paninho — Mesmo com esse pagamento, as coisas continuam muito difíceis para a nossa família!

— Porque quase nunca saímos, tia Lena? — O menino largou o pratinho e o empurrou, chateado, se isolando no canto da mesa.

— Um dia vamos ter dinheiro suficiente e sairemos todos os dias, okay? — Acariciou o topo da cabeça loira, que se esquivou do contato da tia.

— EU QUERO TER DINHEIRO AGORA! — Miguel gritou, irritado, correndo em direção ao quarto que dividia com a prima.

— VOCÊ NÃO PODE TRATAR A MINHA MÃE ASSIM, SEU IDIOTA! — Annie se abaixou, abraçando a mãe que ainda estava sentando no chão da pequena cozinha.

— Miguel não tem culpa, bebê, ele só queria dar uma voltinha pelo bairro, faz meses que vocês não vão à pracinha aqui perto. — Acariciou as madeixas acastanhadas da filha.

— Por que ele não consegue entender que somos pobres, mamãe? Ele é tão mimado. — Fez um biquinho fofo, cruzando os bracinhos gordinhos.

— Vocês são muito diferentes, meu anjo, seu primo é muito temperamental com certos assuntos. — Sorriu para a menina ajeitando sua franja.

— Tem-pe-ra...— contava as sílabas nos dedos, separando a palavra, tentando entender o que significava.

— Ele é muito nervoso. Quando uma pessoa é chamada de temperamental é porque ela fica com raiva de tudo muito rápido. Entendeu, querida? — Annie assentiu, sorridente — As vezes a mamãe esquece que você só tem quatro anos. — Se levantou carregando-a no colo, enquanto retirava a mesa.
 

[...]

A noite finalmente chegara, trazendo consigo a frente fria do outono, Annie e Miguel estavam sentados em frente a televisão assistindo algum programa infantil, Helena estava no banheiro tomando banho e Jonathan sentado no canto da sala, lia algo para a entrevista de emprego de amanhã. Até que a campainha foi ouvida por todos os cômodos. Assim que atendeu, um homem alto e ruivo adentrou na residência com nenhum pingo de educação aparentemente.

— Sr Jonathan Almeida? — Parecia procurar por alguém na casa, enquanto lia um papel.

— Sou eu. E quem diabos é você? — Jonathan o cutucou.

— A srt Rose me mandou aqui, sr Carlos conseguiu um ótimo emprego na filial e vai se mudar para o exterior e então vão levar o menino. Onde ele está? — Jonathan estremeceu, queria sair correndo dali e esconder o menino em algum lugar.

— Como assim, leva-lo? Ele já está conosco a seis anos, o trato era que se não o buscassem até os dois anos, ele ficaria conosco ! — Tentava controlar ao máximo o tom de voz, para que nem a filha e nem o sobrinho viessem ver o que estava acontecendo.

— O trato poderia ser desfeito se uma das familias tivessem setecentos mil reais para pagar a dívida da outra, e foi isso que aconteceu. — Retirou um cheque do paletó e jogou nas mãos de Jonathan — Tome o seu dinheiro e me diga onde está o garoto, a mãe quer vê -lo! — Tentou prosseguir pela procura, mas Jonathan o impediu.

— A MÃE DELE MORREU! NÓS SOMOS A ÚNICA FAMÍLIA DELE, VOCÊS NÃO VÃO LEVAR O MIGUEL DA GENTE! — Acertou um murro no segurança, que nem saiu do lugar, e o empurrou no chão, indo atrás do menino.

— Miguel! — O chamou, assim que o encontrou assistindo televisão, a prima já dormia com a cabeça em seu colo.

— Quem é você? — Recuou, procurando pelos tios.

— Sou Morgan, vou levar você para os seus pais.

— Meus pais morreram! TIAAA! — Se Agarrou na prima, que acordou com o grito.

Helena apareceu na sala com o seu pijama, se agarrando ao menino e a filha. Jonathan apareceu logo depois, tentando de alguma maneira reverter a situação. Mas já estava feito, o contrato havia sido quebrado e a dívida acabou, o menino iria embora para um país desconhecido com pessoas desconhecidas. A dívida entre os Almeidas e os Rodriguez tinha acabado ali, mas a guerra se reiniciava novamente.

Why can't you be happy with me?Onde histórias criam vida. Descubra agora