Prólogo

9 3 2
                                    


    Emily Wilkins corria.

    Sua respiração estava pesada, as pernas ardiam, o fôlego findava. Sentia o gosto de bile espreitar do fundo, mas sabia que, se parasse para vomitar, seria seu fim. O demônio estava atrás de si, implacável, seus passos pesados fazendo um terrível som de sucção ao pisar na lama, ploc ploc ploc.

    O terreno era instável, lamacento, engolindo os pés nus de Emily. Sua única guia na noite escura, de um breu opressivo, pegajoso, era a lua crescente; um filete de prata pairando no céu. Corria entre as árvores, em desespero, sentindo os galhos pontiagudos arranhando-lhe a face e os braços. Não vestia nada além de uma camisola de pano fino.

    E corria, corria, corria. Já não sabia há quanto tempo. O sangue era como fogo, transformando-lhe os músculos em areia, mas sem parar. Jamais parar, ou o demônio a pegaria. Ele, sim, não demonstrava nenhum sinal de cansaço.

    Continuava atrás dela.

    Ploc ploc ploc.

    De início, ele não parecia um demônio. Era convidativo, e seu rosto não era desagradável. Aproximou-se dela em seu veículo, uma coisa negra e luzidia como olhos de cadáver. "Eu lhe dou uma carona", ele disse. "A levo até sua casa. Quem deixaria uma garota perdida na estrada, indefesa?"

    Emily se sentia muito burra. Ela caíra na lábia do diabo. Iria para o inferno?

    Pelo jeito, já estou lá, pensou. E corria.

    Ouviu os passos se aproximarem. Ploc ploc ploc.

    Sua corrida era desacelerada pelo solo traiçoeiro, pantanoso, cheio de pedras e raízes ocultas e aptas a torcer tornozelos. Das árvores mais altas, coisas nodosas e retorcidas, pendiam pesadas cortinas de musgo-espanhol. Seus calcanhares sangravam, e os pulmões estavam no limite.

    Eu vou morrer.

    Se ainda tivesse lágrimas, choraria. Entretanto, gastara todo seu estoque enquanto estava presa no quarto cor-de-rosa, no covil do homem, do demônio. Não sabia como fora parar lá, apenas que acordara naquele lugar estranho, em uma cama pequena, rodeada de bonecas de louça e animais de pelúcia. Batera na porta, gritara por ajuda, mas não conseguiu nada além de arranhões na garganta.

    Os passos estavam mais próximos.

    Ploc ploc ploc.

    Todo seu corpo doía, mas a adrenalina a mantinha em movimento. Emily era o desespero em forma humana. Corria o máximo que conseguia, o mais rápido que podia, mas não parecia ser o suficiente. O diabo se aproximava, pronto para incorporá-la a suas legiões. Não ousava gritar por ajuda. Ninguém ouviria.

    Um galho se enroscou nos cabelos de Emily. Ela, porém, não interrompeu sua fuga. Continuou, deixando para trás um tufo ensanguentado de cachos castanhos. Mal sentiu o arrancar. E ploc ploc ploc.

    De início, achou que o demônio era um homem de sangue quente qualquer, e que estava atrás daquilo que os homens querem. Mas ele riu da sua cara quando ela disse que faria o que ele quisesse, que seria submissa, se pudesse ir embora depois. "Acha que quero copular? Não. Não sou mais um porco imundo. Sua boceta não me interessa. Procuro algo mais sublime. "

    Ainda conseguia ver o escárnio em seu rosto.

    Ploc ploc ploc... crack!

    Emily caiu com uma dor intensa irradiando de seu pé esquerdo. Quando olhou para baixo, tinha-o dobrado em um ângulo que lhe deu náuseas só de ver, uma ponta branca de osso despontando do lado, preso sob uma raiz de árvore. Suja de lodo, pôs-se a vomitar em golfadas.

    Seu coração batia muito forte, suas veias eram chamas, seu estômago era gelo. O vômito subia queimando.

    O demônio a encontrou, em seu avental branco e seus olhos de vidro.

    -Ora, ora, querida. Não há porque ter medo!

     Ele pegou um quadrado de tecido de um dos bolsos do jaleco, e um frasco marrom de outro. Embebeu o pano com o conteúdo da garrafinha, um líquido incolor. Encostou-o contra o rosto de Emily...

     Enquanto era guiada à inconsciência, podia ouvi-lo cantar... sua voz era bela...

     -Venha, sereia, vamos brincar... juntos, até o dia findar... vamos, sereia, vamos cantar... juntos, bem no fundo do mar...

Sereia do PântanoOnde histórias criam vida. Descubra agora