Seu mundo parecia se resumir àquele pátio de muros altos, cinza e frio. E ali ela se sentia tão segura e protegida que vivia indiferente à porta à sua frente enigmática. Mas os dias foram se passando por demais sem cheiro, sem cores e sem sons, e então ela começou a se entristecer e a ficar obcecada por aquela misteriosa saída.
Por tempos de tempo então permanecia ali sentada, olhando-a _ tentada, mas com medo; instigada, mas confusa. Partir sem saber pra onde; deixar, sem saber o quê.
Foi então que um certo dia ela começou a ouvir sussurros do outro lado dos muros. No início eram apenas palavras arrastadas e sem sentido, mas depois foram se tornando cada vez mais audíveis, mais próximas, até tornarem-se claras e limpas, vindas de um rosto pálido, que um certo dia, apontou comemorativo no alto da muralha.
"E minha florzinha, como está hoje?"
Ela olhou-o assustada por um instante, e somente aí se deu conta de que não podia falar, e de que ele parecia, por algum motivo, já saber, pois continuava, sem esperar respostas, em um monólogo; elogiando-lhe a beleza, o tempo e vista lá do alto.
E foi assim, a partir desse dia, aqueles tão inusitados encontros. Ele chegava risão, acomodava-se no alto do muro, falava-lhe por tempos de tempo sobre sua beleza, sobre a beleza do mundo e sobre a desgraça do muro, e depois se despedia jogando-lhe rosas de variadas cores.
Ela já nem se lembrava mais da porta. Ora estava ouvindo seu assíduo admirador tagarelar, ora estava lá, à beira do muro, olhando feliz para o alto, esperando-o aparecer.
O tempo então foi assim passando, e ele transformando a cada dia mais o pequeno mundo dela. Agora havia cheiros, havia cores e havia sons. Por trazer-lhe todas às vezes tantas novidades, o pátio outrora frio foi tornando-se um belo jardim, cheio de orquídeas, de limoeiros, de bonsais... de vida.
Mas o tempo parecia estar passando diferente para os dois. Ela então começou a perceber que ele estava envelhecendo, e que estava a cada dia mais cansado. Demorava mais a chegar e menos a partir. Então ela passou a ficar triste ao imaginar que ele estivesse perdendo a admiração e o interesse por ela, mas aí ela se deu conta de que na verdade, como ele estava ficando cada dia mais fraco, por estar envelhecendo, ficava com ela menos tempo não porque diminuíra o tempo dedicado à ela, mas porque sacrificava mais tempo em subir e descer a muralha.
Assim, ela começou a se angustiar por não conseguir lhe dizer nem expressar o quanto o amava e o admirava, e o quanto lhe era grata por tudo que ele lhe fizera; queria que ele soubesse que ela o liberava daquele amor, daquele cuidar; que não se ressentiria e entenderia, embora não sem dor, se ele não voltasse mais; pois sofria tanto quanto, vendo-o assim a tão custo preço lhe fazer feliz.
Mas mesmo sem poder ouvi-la acerca de tudo isso que sentia, ele pareceu compreendê-la, pois no próximo encontro, num último esforço, chegou cedo e ficou por mais tempo; riu, cantou e, ao despedir, olhou-a com lágrimas e, após pedir-lhe uma rosa beijada, partiu pra não mais voltar.
Os tempos do tempo que se seguiram foram assombrosos e angustiantes para ela. A solidão que se impunha era por demais insuportável, pois não era a solidão do nada, era a solidão do tudo que doía; o tudo que representava o vazio que ele havia deixado naquele lugar... as lembranças impregnadas nas cores, nos cheiros, nos sons e no muro.
Assim, pesando-lhe mais que o vazio do outrora cinza-frio, tudo aquilo levou-a, impotente, à porta.