A escuridão era afastada por uma lamparina no canto do vagão. Era pequena, mas jorrava grandes feixes de luz pelo lugar. Com a janela aberta ele fingia ver a paisagem, ouvindo o vento assobiando pelo canto do vidro lhe proporcionando uma pequena distração bem-vinda.
A figura sonolenta se encontrava sentada num dos últimos estofados verde-musgo da locomotiva. Estava sozinho, um braço no apoio de madeira do banco e o outro descansando por cima da perna coberta pelo jeans surrado, que balançava mais do que o próprio trem. Seu pé esquerdo também não conseguia se manter parado, por mais que tentasse impedi-lo de se mexer. Aquilo lhe deixava ainda mais ansioso, se é que poderia ficar.
Se perguntava se uma viajem poderia demorar tanto. Parecia uma eternidade, e estava lhe corroendo a cada segundo. Mesmo assim, tentava não se importar, pelo menos estava chegando. Sua mente batucava que voltaria naquela noite, nem que fosse num voo de 7 horas ou dirigindo sozinho por 45 minutos numa interestadual.
E com o tempo parcendo se esticar, não deixava de ter em sua imaginação a figura do menor deitado de lado em sua cama, com as mãos entre as pernas e os olhos redondos se fechando. Esperava que seus olhos estivessem apenas adormecidos, e que não houvessem lágrimas marcadas em suas bochechas.
Porque ele desmoronava completamente quando o outro chorava.
Desmoronava quando precisava cumprimentá-lo com mais um adeus para sua grande coleção. Odiava quando estava a ponto de estragar mais uma surpresa, novamente tirando as mãos dos olhos cedo demais. Chegando cedo demais, ou, como de costume, tarde demais.
Odiava ter que se afastar de 505.
Mas enfim estava voltando. E como queria voltar logo, pois não teria muito tempo até a próxima partida.
Então, quando sua cabeça finalmente atravessou a porta do hotel, 7 horas e 45 minutos depois, ele o encontrou.
Deitava-se de lado, as mãos entre as pernas exatamente como imaginou. A visão lhe fez brotar um tímido sorriso no rosto, ato que se tornava espontâneo quando estavam juntos.
O menor acordou com o som do batente e a fresta da luz alaranjada de fora incomodando seu pequeno rosto fundido no travesseiro. Se sentou na cama em que mais cedo pudera chorar baixinho.
A janela aberta fazia o vento balançar as cortinas melancolicamente, trazendo a brisa fresca da madrugada para dentro do quarto de hotel.
O menor não disse nada quando caminhou até a figura plantada na porta, nem quando parou para lhe olhar daquele mesmo jeito de sempre. Não era necessário dizer nada.
Seus braços imediatamente se entrelaçaram em volta de seu pescoço e ele ficou na ponta dos pés para alcançá-lo. E ali deixou um beijo.
Mas, ainda assim não tinham muito tempo, por isso logo se deitaram. E ele se deitou de lado, suas próprias mãos na cintura do menor, porque adorava poder sentir sua respiração se aprofundar enquando adormecia.
E dormiriam tão bem.
Amanhã, quando acordassem, ele se distanciaria de 505 novamente. E quando finalmente pudesse voltar, não poderia deixar de imaginar encontrar o outro deitado de lado, com as mãos delicadas entre as pernas, e um sorriso ao invés de lágrimas.
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