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Meados de novembro de 1918.

O cheiro sufocante de pólvora amalgamado com sangue penetrava rudemente em suas narinas. O ar estava pesado. Seu ouvido direito zumbia e seu rifle jazia sem munições. Onde estavam todos? Estaria ele sozinho, jogado à própria sorte? Um soldado à deriva, deixado para trás para morrer?

Era ele somente um britânico comum jogado em uma terra desconhecida.

Dante correu, até não poder mais. Seus pés estavam pingando sangue por debaixo das meias grossas. O cantil de água praticamente seco. Andejou pela campina cinzenta sem rumo. 

Onde ele estava, Deus? Que lugar horrível com cheiro de morte era aquele?

Aquele era o seu deserto pessoal.

Dante estava perdido. Tanto física quanto espiritualmente. 

Ele havia cometido um pecado. Ele havia matado alguém. Era uma guerra. Matou um inimigo. Mas Dante não queria ter o feito. Matou para se defender, mas mesmo assim, sentiu como se uma parte de sua alma tivesse morrido junto ao cadáver do rival. 

A pessoa que ele ceifou tinha uma história, uma família, e tudo isto agora havia acabado.

— É matar ou morrer, Dante! — assim lhe disse um soldado que estava consigo no fronte.

Não deveria ser assim. Não deveria haver apenas duas opções.

Era tudo em vão.

Ele queria ir para casa. 

Um versículo lampejou em sua mente, misturando-se aos seus delírios, uma mensagem que escutara na reunião dominical na Igreja, a última que participara antes de ingressar na guerra.

"Eu os estou enviando como ovelhas no meio de lobos. Portanto, sejam astutos como as serpentes e sem malícia como as pombas.", assim ele havia lido no Livro Sagrado. 

Ele estava no inferno.

As flores estavam murchas, os pássaros já não mais cantavam, e a felicidade havia escapado de sua vida. 

Quando criança, sempre que alguém lhe perguntava o que ele queria ser, Dante respondia com um grande sorriso no rosto que desejava ser missionário.

Todavia, ele já não tinha mais certeza disso. Como falaria do amor de Deus, se havia cometido um grande pecado? Como pregaria a mensagem do Altíssimo, sendo que todos lhe apontariam o dedo e lhe chamariam de hipócrita? Sua alma estava manchada por sangue.

Fora arrastado para uma peleja que não era sua, incitado a odiar inimigos que não eram seus inimigos, e, agora, aos poucos, estava começando a perder a fé. Estava começando a esquecer até mesmo do rosto de sua amada mãe. Mulher amável e admirável que o criara no caminho justo, deveria estar no Céu, ao lado de seu pai, que também foi um bom homem.

— Não se esqueça de mim, Dante — implorou seu colega do fronte, que morrera em seus braços. — Não se esqueça de mim quando voltar para casa.

Arquejou, com dores nas costas, e obrigou-se a sentar-se nos escombros do que deveria ser uma casa. Tudo era mortalmente silencioso. Não podia deixar a guarda baixa. Dante olhava para a paisagem, composta por pedras pardas e restos de grandiosas colunas. 

Tudo era disforme, quebrado, reduzidos aos cacos. Decerto o lugar que agora encontrava-se outrora fora uma fazenda. Dante tentou imaginar aquele lugar em seus dias de glória, mas por mais que tentasse sua imaginação era pífia. Era tudo tão diferente de ver através das páginas de um jornal. Pessoalmente, a realidade era mais cruel.

Somente enxergava ruínas e por trás de tudo aquilo, a dor de uma nação. A guerra estava destruindo a beleza daquele país. Acabando com as milhares de vida. 

Bellum CruentusOnde histórias criam vida. Descubra agora