II

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Dante estava pálido e com dores devido ao ferimento que ainda jorrava sangue, mas aquilo não era o suficiente para fazê-lo desistir.

Antes de ter o meu fim, não vou abandoná-los. Dante pensava. Eles são a minha missão.

Sua missão.

As crianças seguiam Dante, silenciosas, funestas, como corpos que andavam sem alma. Aquelas crianças faziam o coração do soldado dilacerar-se dentro do peito. Dividiu com eles um dos pedaços de pão para saciar a fome e guardou o outro para depois. Dante nada comeu. Não conseguia devido a dor que sentia. Lavou o rosto em um lago que acharam, as crianças também lavaram o rosto e saciaram a sede. Aproveitaram para encher o cantil e ter água para a viagem incerta que os esperava.

Quando deparou-se com uma centena de cadáveres que boiavam no rio sob a ponte, maculando suas águas, Dante deteve-se no seu passo, virando-se para as duas crianças atrás dele, com a boca mui apreensiva, os olhos gotejando em agonia. Não queria que eles presenciassem tamanha imagem cruenta.

— Vlad e Angelina — Dante disse com a voz trêmula —, vamos fazer uma brincadeirinha? Cruzaremos aquela ponte, mas quero que fechem os olhos, e cantem uma canção comigo.

— Não vou participar da sua brincadeira estúpida! — Vlad ficou cismado.

Mas Angelina não importou-se em cobrir os olhos com as mãozinhas imundas. Era a primeira vez que Dante ouvia a voz da garotinha. Cantarolava uma cantiga de roda emendada na outra, confundindo as letras e misturando as palavras que saíam erradas por entre os dentes de janelinha, e o soldado cantava com ela tão atrapalhado quanto.

Ao contrário da irmã, Vlad não fechou os olhos ou cantou. Estava sisudo, amargurado. Ao passarem pela ponte, Dante parabenizou Angelina, porém não fizera o mesmo com o rancoroso Vlad.

— Para onde estamos indo mesmo? Só estamos andando sem rumo — Vlad resmungava.

— Deve haver um lugar para ir. Uma vila que possa nos ajudar. Um lugar que não foi tomado pelo desespero e pelo fogo. Um lugar onde crianças como vocês podem crescer sem medo do amanhã. 

 Você acredita que algo assim é real? Falando desse jeito, você até parece os nossos pais. Eles oraram e perdoaram o inimigo antes de morrer — disse, o som saindo por entre os dentes. — Angelina viu quando os miolos deles se espalharam pelo chão, por isso ficou muda.

— Não fale desta forma tão fúnebre, garoto!

Vlad ficou sisudo. Não gostava de ordens. Não gostava dos adultos.

— Eu só quero que crianças como vocês tenham um futuro melhor.

— Ela e eu não tivemos infância. Por que acha que teremos futuro?

O jovem soldado ficara pasmo. Vlad não levantou o rosto uma vez sequer. A sombra cobrindo-o. Angelina, que antes cantarolava suas cantigas de roda, jazia tão lúgubre quanto o irmão.

Não! Ele não ia permitir que aquele garotinho tivesse tais ideias em mente. Mostraria a eles, que não havia apenas dor no mundo. Aqueles pequeninos eram a sua missão. Ele ainda podia resgatar seu sonho infante em ser missionário, plantar uma sementinha que talvez pudesse crescer naqueles corações, embora estivessem endurecidos pelas mazelas da vida.

Não desistiria deles, mesmo que o mundo da qual conhecessem não fosse exatamente igual a antes.

— Para onde a gente tá indo? — Vlad questionou Dante, ainda de mãos dadas com Angelina. — Estamos andando há séculos...

— Caminhando rumo para um lugar melhor.

Bellum CruentusOnde histórias criam vida. Descubra agora