A VONTADE DO INSTINTO

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Aberdeen, Washington

Abril de 1984 - Setembro de 1986

It Amazes Me, The Will of Instinct.

[Me espanta, a vontade do instinto.]

Letra de "Polly", 1989.

NO COMEÇO DAQUELA MANHÃ DE DOMINGO, Kurt andou pelas ruas de Aberdeen aspirando o cheiro do sexo dela em seus dedos. Para uma pessoa obcecada com cheiros, era uma experiência inebriante. Para reviver o ato, tudo o que ele precisava fazer era esfregar os dedos na forquilha de suas próprias pernas e, quando os cheirava, o cheiro dela ainda estava ali. Sua mente já estava esquecendo o fato de que sua iniciação sexual fora uma quase catástrofe e, ao contrário, em sua memória, ele a estava convertendo em triunfo. As circunstâncias concretas não importavam — sexo malfeito ou não, ele não era mais virgem. Sendo, no fundo, romântico, também supunha que este primeiro encontro sexual era apenas o começo de sua experiência sexual adulta; um bálsamo com o qual ele poderia contar, como a cerveja ou a maconha para ajudá-lo a escapar de sua sorte. No caminho para o Weatherwax, roubou uma flor de um jardim. Jackie viu Kurt dirigindo-se timidamente para o fumódromo do lado de fora do colégio com aquela rosa vermelha na mão — pensou que fosse para ela, mas Kurt a entregou para a garota com quem dormira, que não se impressionou. o que Kurt não conseguia entender era que Jackie é quem tinha paixão por ele. A outra garota, por sua vez, estava embaraçada por sua imprudência e mais embaraçada ainda pela flor. Foi uma aula dolorosa e, para alguém sensível como Kurt, confundiu ainda sua necessidade de amor com as complicações da sexualidade adulta.

Depois da escola, havia preocupações mais imediatas, a primeira delas a de encontrar um lugar para morar. Buzz o levou de carro para apanhar suas coisas.

Como Kurt corretamente suspeitava, essa desavença com a mãe era diferente das outras — quando chegou em casa, ela ainda estava em fúria. "A mãe dele só ficou aporrinhando o tempo todo, dizendo-lhe o absoluto panaca que ele era", lembra Osborne. "Ele só ficava dizendo: "Tá legal, mãe. Tá legal", Ela deixou claro que nem queria vê-lo na casa" Enquanto juntava sua preciosa guitarra e o amplificador, colocando suas roupas numa série de sacos de lixo, Kurt começou seu último vôo físico e emocional para fora da sua família. Tinha havido outros vôos e seu hábito de bater em retirada começou logo depois do divórcio, mas a maioria desses passos fora ele quem dera. Desta vez, estava indefeso e com um temor muito real sobre como poderia cuidar de si mesmo. Estava com dezessete anos, no começo do colegial, mas faltando á maioria das aulas. Jamais tivera um emprego, não tinha dinheiro e tudo o que tinha estava em quatro sacos de lixo.

Ele tinha certeza de que estava partindo, mas sem a menor idéia de para onde estava indo.

Se o divórcio tinha sido sua primeira traição e o novo casamento do pai a segunda, esse terceiro abandono seria igualmente significativo. Wendy estava farta dele. Ela se queixava para suas irmãs que "não sabia mais o que fazer com Kurt". As brigas entre os dois estavam exacerbando seus conflitos com Pat, com quem estava pretendendo se casar, e ela não podia se permitir perder esse relacionamento, no mínimo por razões econômicos. Kurt sentia, talvez com razão, que mais uma vez um dos pais estava escolhendo um novo parceiro contra ele. Era uma marginalização que sempre o acompanharia: associada a suas primeiras feridas emocionais, a experiência de ser rejeitado seria algo a que ele repetidamente retornaria, jamais conseguindo se libertar inteiramente do trauma. Ela ficaria ali, logo abaixo da superfície, uma dor que cobriria o resto de sua vida com o medo da carência. Jamais poderia haver dinheiro suficiente, atenção suficiente ou — o mais importante — amor suficiente, porque ele sabia com que rapidez este podia desaparecer completamente.

Mais Pesado Que o CéuOnde histórias criam vida. Descubra agora