Capítulo 1

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    Pov – Ella

─Mike, me passa o leite. – Peço ao garoto de cabelos bagunçados e cara de sono sentado a minha frente. – Penteia esse cabelo garoto, parece um molambo.

─Me deixa Ella. – Ele me passa o leite e volta para seu cereal.

─Meninos vão perder o ônibus, não tenho tempo de levar ninguém na escola. O pai de vocês vai precisar do carro.

─Alguém viu meu tênis? – Jimmy entra na cozinha atrapalhado, derruba a mochila e pega uma maçã, tudo ao mesmo tempo. É o caçula. Doze anos, Mike acaba de fazer quinze, mas pensa ter vinte e tem o humor de um velho de oitenta.

─Atrás do sofá. – Aviso ao meu atrapalhado irmãozinho. Ganho um beijo de gratidão.

─Vão meninos. – Minha mãe exige. Os garotos se chocam apressados. John surge dando nó na gravata também atrasado. Amo essa família e o modo maluco que as coisas acontecem por aqui. – Vai se atrasar amor. – Minha mãe beija o marido. John me acena.

Quando meu pai morreu há dezessete anos e ficamos apenas nós duas e o vovô Warren, eu tinha apenas quatro anos. Um ano depois John e ela se conheceram, ele sempre foi bom comigo, leal com ela. Os dois construíram uma nova família, tiveram Mike e Jimmy.

Meu avô Warren sofre ainda hoje a perda do único filho. Não me lembro bem do meu pai, só as histórias que meu avô conta. De como o bom soldado era honrado e carinhoso.

Operação Desert Fox, foi o nome que deram ao intenso bombardeio de quatro dias seguido por combate em terra onde meu pai foi morto. Minha mãe recebeu de volta do Iraque seu corpo num caixão e a bandeira americana.

Estamos no Mississippi e claro que o que não falta por aqui são heróis de guerra. Nunca vou entender porque meu pai atravessou o oceano para lutar uma guerra que não era dele.

Vovô Warren e minha mãe são bons amigos, meus irmãos o chamam de vovô, ele almoça conosco aos domingos, conta histórias, toma mais vinho do que aguenta e depois eu dirijo até sua casa com ele cantando Elvis a plenos pulmões.

Mas tem algo errado. Algo que sei que está errado e ele anda escondendo. Minha mãe sabe. Os dois andaram cochichando. Odeio que me tratem como se fosse uma criança.

─Ei! – Minha mãe toca meu ombro e desperto. Quando me dou conta, estamos apenas nós na cozinha. John e os garotos foram embora. – Em que mundo está?

─No mundo da preocupação. – Ela se senta com uma xicara de café. Ficamos um momento nos olhando. Fisicamente não temos muito em comum, todos dizem que sou a cópia do meu pai. Às vezes acho que sim. Pelas fotos que tenho dele.

─Ella...

─O vovô está doente? É isso? Mãe eu sou tudo que ele tem. Preciso saber.

─Não. Você não é tudo que ele tem. Warren tem a mim e ao John. Eu amo seu avô. Ele me acolheu quando seu pai morreu naquele confronto estúpido. Cuidou de nós duas, mesmo com toda sua dor. Depois quando me apaixonei pelo John ele ficou do meu lado. Recebeu meus filhos como parte da família. Não precisava, mas fez. Somos uma família.

─Mãe eu conheço a história da nossa família. O que quero mesmo é saber o que meu avô tem. Mereço saber. Não sou uma criança. Tenho vinte e dois anos.

─Um. Tem vinte e um.

─Mais um mês. Agora me diz. O que o vovô tem?

Minha mãe toma um gole do café. Corta uma fatia de queijo. Me sorri de um modo triste.

A Exceção (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora