O Ponto Em Que Ela Desce

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Todos têm — ou já tiveram — apelidos. Rafael tinha muitos apelidos. Seus amigos nerds o chamavam de "Rafa". Sua mãe, de "Anjinho". E o resto da escola o chamava de "Espinhento". Mas ele não ligava para apelidos. Afinal, haviam piores. Lucas era chamado de "Veado". Jessica era mais conhecida como "Vadia-da-Peruca".

E Luana era chamada de "Baleia". A garota mais odiada da escola inteira. Rafael não entendia o motivo disso. Ela nunca fez nada de ruim para ninguém, era apenas caçoada por ser um pouco acima do peso e não gostar de conversar. Recebia ódio gratuito todos os dias na escola. E, como sempre pegou ônibus com ela para voltar para casa, ele já viu as diversas maneiras de como as pessoas gostavam de caçoá-la. Eles a chutavam antes de entrar no ônibus, jogavam bolinhas de papel do lado de fora que a acertavam em cheio, grudavam adesivos ofensivos em suas costas...

Além disso, ele também reparou que a sua casa era extremamente perto do ponto em que ela descia. Era, literalmente, do outro lado da rua. Uma casa humilde, onde parecia ter capacidade para morar apenas duas pessoas.

Assim como ele, Luana sempre estava sozinha, sentada em um assento do ônibus. De vez em quando, ele notou, ela dava uma olhada para ele e desviava o olhar rapidamente.

Em um dia ensolarado, o ônibus estava com mais pessoas do que o normal, já que um grupo grande de amigos que não eram da escola decidiram pegar o mesmo ônibus que Rafael. Ele os invejava silenciosamente, pois sempre quis ter "um grupo grande de amigos". Nesse dia, todos os assentos se ocuparam. Exceto o do lado dele.

Quando Luana entrou, viu que só havia um lugar vago e decidiu ficar em pé. Após engolir em seco e tomar coragem, Rafael a chamou para se sentar ao seu lado. E a garota foi.

Logo, ele começou a se arrepender de ter feito isso, já que o clima ficou um pouco tenso no silêncio que pairou. Mas isso mudou quando Luana retirou um livro de sua bolsa. Justamente, o livro preferido de Rafael, que não conseguiu se conter:

— Esse é o meu livro preferido!

E ela deu seu primeiro sorriso. Apesar de seus dentes serem um pouco tortos, ele achou um sorriso muito bonito. Talvez os sorrisos mais raros sejam os mais bonitos, pensou.

— O meu também — ela disse. — Eu já o li um milhão de vezes.

— Eu também — ele disse. — Eu adoro esse gênero.

Seu sorriso se estendeu.

— É... — falou. — Eu também adoro...

Aquele foi o primeiro dia em que Rafael conversou com alguém no ônibus. Apesar de ter sido uma conversa rápida, ele se sentiu mais alegre pelo resto da tarde. Sentia que havia feito mais uma amiga.

No dia seguinte, Luana já estava no ônibus quando Rafael chegou. E ele foi ao seu lado.

— Oi — cumprimentou ao se sentar.

— Oi — ela respondeu, no mesmo tom que ele.

Sem deixar o silêncio prevalecer por muito tempo, ele continuou a falar:

— Meu nome é Rafael. Acho que esqueci de me apresentar ontem...

Sua mão se estendeu, pronta para levar um aperto. Ela agarrou a mão do garoto e deu um aperto de mão desajeitado.

— Sou Luana — ela disse.

Rafael ia dizer que já sabia seu nome, mas resolveu ficar quieto. Não queria parecer rude ao falar algo como "eu sei quem é você, a garota mais odiada da escola".

— Como você está? — ele continuou insistindo em puxar assunto.

— Bem — ela disse, dando de ombros. — E você?

O Ponto em que Ela Desce (CONTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora