Eram, os três, homens de quarenta anos. Um deles engravatado, os outros dois um pouco menos formais. Amigos de infância que não se falavam havia muitos anos e que se encontravam na contingência de ter de afetar uma familiaridade há muito perdida e de fingir uma camaradagem que o tempo havia se encarregado de transformar em mera lembrança, como a exposta em um retrato envelhecido e desbotado.
Nenhum deles tinha família. Os pais de todos eles haviam morrido e nenhum fora casado. E, em uma tentativa de reaproximação, se reuniram, naquela noite chuvosa, em um quarto de hotel para jogar cartas, beber e contar histórias. Como nos velhos tempos, ou, pelo menos, um arremedo disso.
− Sua vez, Zé.
− Eu sei. Não me apresse.
Ele detestava ser chamado assim. O outro, por puro espírito de galhofa, insistia no apelido do colégio.
− É para hoje, cara. – Alberto insistiu.
José, concentrado nas cartas, olhou por cima dos óculos. A armação de prata estava meio caída e em conjunto com as sobrancelhas arqueadas, conferiam uma imagem de irritação mal dissimulada.
Alberto sorriu.
− Sorte é uma merda. – sentenciou Alberto.
− Não seria a falta dela? – revidou José.
− Ei, vocês dois, parem de implicar um com o outro. Parecem os mesmos moleques do colégio.
Os dois olharam em direção ao terceiro. Era o Paulo, o engravatado. O roteirista.
− O Paulo está certo. Vamos parar com isso. Eu estou fora mesmo, não vou bancar a aposta, a mão está mesmo muito ruim. – disse José.
− É assim que se fala. Em homenagem ao bom senso, por que não bebemos mais um pouco e não relembramos velhas histórias? – propôs Alberto.
− As mesmas de sempre? Bobagem. Perda de tempo. Todos sabemos essas histórias de cor e salteado. Nós nos reunimos aqui para conversar sobre o que não sabemos. Faz anos desde a última vez que nos vimos. Para que relembrar essas bobagens do colégio?
− A voz do bom senso, Zé. Aliás, eu não tenho a menor ideia do que vocês fazem hoje em dia. Eu continuo tentando vender meus roteiros. – disse Paulo.
− Sem sucesso.
Foi o comentário de Alberto. Fez-se silêncio entre eles.
− Ei, senhores, vamos beber... Esse aqui é um uísque de primeira, escocês legítimo, envelhecido por trinta anos. – José tentou aliviar o clima.
− Verdade, Zé. Acho que você deveria contar uma das suas histórias para nós, Paulo. O que acha?
Era uma aparente tentativa de desfazer um mal-feito. Paulo não respondeu imediatamente e bebeu um gole do uísque.
− Sim, eu posso contar. Um artista precisa de vivências. Nada dessa babaquice pós-moderna de que todo mundo está de saco cheio. Não. Nós precisamos, muitas vezes, descer muito baixo, chafurdar na merda para encontrar material para uma boa história.
− Tem alguma coisa em mente?
− Tenho, Zé... Tenho. Mas, antes, por que vocês não me falam um pouco desses últimos dez anos? Eu, talvez, pudesse aproveitar alguma coisa.
