Foi no ano de 1881, depois de checar se o escrivão estava em casa que, com cuidado, cheguei pelo portão da frente e chamei Conceição jogando pequenos galhos secos em sua janela e percebi que tinha ficado pálida ao me ver. As escravas colocaram-me para dentro da casa muito depressa e aflitas. Na minha cabeça, aquele estado de agitação das criadas devia-se ao fato de eu ter pedido entrada na residência, àquela hora da noite, pelo portão da frente e não mais pelo muro que dava acesso ao mirrado jardim da casa. Como era o dia da fuga, achei que valeria a pena a ousadia.
No momento em que vi a dulcineia mulher esperando-me na copa, fui logo pondo-a em meus braços, afrouxando assim, sem querer, os cordões de seu roupão e desabotoando um pouco sua manga. Ela não teve nem tempo de corresponder aos meus carinhos e revelou-me logo a situação da sala da frente. O que estava certo era que, nas férias de natal, o jovem Nogueira voltasse para o seu lar, e, então, na primeira oportunidade, como àquela noite em que nem o Meneses e nem o aprendiz estariam em casa, fugiríamos. Aquilo que não esperávamos era que o garoto se decidisse por ficar alguns dias a mais, depois de dispensado do preparatório que cursava, para assistir à Missa do Galo na cidade, pois só conhecia a missa da roça. "Você tem que ir embora!", disse. "Oh, céus! Isso só pode ser um castigo divino!", choramingava. "Ora, vou, porém preciso de tempo para livrar-me das cousas que preparei para fuga, estão todas do lado de fora", expliquei-lhe. "Santo Deus!", sussurrou. Antes que o garoto pudesse notar nossas vozes, Conceição foi distraí-lo e garantir que saísse apenas quando a rua estivesse "toda em silêncio". Este era o sinal mais garantido de que eu já havia partido levando tudo o que trouxera para não deixar nada a vistas.
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O DIA DA FUGA
Historical FictionEnquanto em "A Missa do Galo", Machado de Assis, narra o inocente despertar da afeição do Jovem Nogueira por Conceição, em "O dia da Fuga", descobre-se por quem Conceição está prestes a perder a cabeça.