Testemunho

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O que torna uma pessoa ou evento "histórico" e "grandioso"? O que faz com que algo simples, e muitas vezes banal, adquira proporções tão grandes e imprevisíveis que chega a ser "mágico"? Há um ditado no jornalismo de que "se a versão for melhor que a realidade, publique a versão" e essa é a forma como nós vemos o mundo. Sempre através de uma lente atrás de nossos olhos que filtra a realidade pra atender o espectro de cores que constrói nossa forma de ver o mundo. Vamos ver a história que ocorre durante um evento histórico importante, porém nosso enfoque será em torno de uma testemunha desse evento e não sobre sua protagonista.

Década de 1960, EUA, a luta pelos direitos civis ainda ocorrendo, talvez mais próximo ou mais distante do desfecho, mas um ato aparentemente banal vai gerar uma heroína improvável. Num ônibus qualquer, numa cidade qualquer americana, que como muitas outras, havida separado o "mundo" entre brancos e "gente de cor", nessa cidade qualquer em especial, os assentos eram preferenciais para pessoas brancas. Um senhora, meia idade, negra se nega a levantar para uma mulher branca, uma pequena discussão e todos descem alguns pontos a depois. Não falaremos sobre essa senhora, falaremos sobre William B. Ajani. Negro, magro, relativamente alto, vestia trajes simples, calça, camisa e suspensórios. Viajava de pé, teve que ceder lugar a uma mulher branca que queria ficar do lado com sombra. Estava dois bancos atrás e testemunhou, junto com outras vinte pessoas o ocorrido. Antes de descer pergunta a mulher negra seu nome: Rosa Parks.

No dia seguinte, após uma noite em prantos escrevendo, enviou uma carta a King Jr.:"Hoje, presenciei a voz da resistência e ela disse: 'Não!'. Rosa Parks, uma mulher comum, uma mulher que como nós, negra, provavelmente perdeu algum familiar para violência, seja ela policial, do Klan ou simplesmente anonimamente pública. Parks como uma flor feriada e com espinhos afiados aflorou contra a ordem, contra o status quo, contra a 'separação para a união', mostrou que se sangue é forte e a luta é diária e num dia de Sol com um simples não nos deu esperança de mudar um pouco do que esse país faz conosco. Pastor, não quero tomar ser tempo, sou um ninguém e o que faço não se compara a lua que enfrenta, mas Rosa Parks fez algo que merece chegar a seu conhecimento. Dizendo Não ao preconceito negou-se a ceder lugar a uma branca, negou-se a cumprir um costume racista e culturalmente aceito que brancos descansam enquanto negros sofrem de pé. Um ato pequeno, mas que encheu de esperança esse que vos fala, que, quem sabe, um dia, nossa grande nação nos enxergará como iguais.Ass. William B. Ajani"

Na noite de sábado, Ajani tocou seu piano num clube de jazz para negros como fazia todas as noites de sábado, porém, naquele dia, não se ouviu o som mais belo em toda América.

Sua pele, black. Seus olhos, brown. Seu sangue, red. Em sua mente, a dream. Um símbolo, a rose. Rosa.

Will não soube o que pensar, nem sentir. Era como ser atingido em cheio pelo caminhão desgovernado da história. O metal pode não ferir um sonho imaterial, a utopia é a prova de balas, mas a carne... Ah a fraca carne, morre com facilidade. Um tiro. Pá! Então a voz se silenciou. O eco distante ainda reside em minha mente, em nossa mente, mas o eco é só uma ilusão. Martin Luther King Jr morreu.

Uma semana depois, o chão ainda molhado de chuve serve de tapete de boas vindas para o carteiro. Faça chuva ou faça Sol. Em sua mão trás um envelope pardo com o nome de um pianista de jazz que julgou ser necessário contar uma história banal para um homem histórico."Nunca esqueceremos Rosa Park. Nunca deixe de lutar. Acredite na Luta, sonhe, mas lute. Suas palavras me marcaram.Um abarçao fraternoMartin"

Tremendo, Ajani, se sentou e sentiu pela segunda vez, no peito, o pisar pesado da história.

William B. AjaniOnde histórias criam vida. Descubra agora