Dar a luz

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- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! - Grito, em plenos pulmões, com toda a força que me resta, em seguida respiro fundo, como um cachorro grande em dia quente. Reza a lenda que antes de morrer a vida toda passa diante dos seus olhos, se é verdade não sei, mas minha mente parece mais anestesiada que meu corpo, enquanto vago entre lembranças e pensamentos meu corpo grita, range e se contorce como uma casa velha de madeira no inverno. Mais um grito, mais uma dor, mais um tudo.

Desde que me vejo por gente quero ser mãe. Sempre ganhei e gostei de bonecas e bebês. Queria encontrar o homem certo, me casar, ter uma casa cheia de filhos, trabalhar meio período para busca-los na escola e ter a tarde toda com eles. Esse sempre foi meu sonho. Na adolescência era sempre a "atrasada". A única que não tinha beijado ninguém, e obviamente a única a casar virgem. Guardei minha pureza total para aquele que seria o pai dos meus filhos. O conheci com dezoito anos. Ele dezenove. Frequentávamos a mesma igreja e começamos a conversar no grupo de jovens. Percebemos nossas afinidades quando participamos juntos do "Escolhi esperar". Com a única diferença que ela já havia beijado outras meninas. Eu dei meu primeiro beijo no altar.

Pura.

Na mesma noite meu primeiro beijo foi minha primeira vez. Timidamente nos despimos, não sabíamos exatamente o que e como fazer. Acho que conseguiríamos. Uma amiga chegou a recomendar que assistíssemos pornografia para termos uma ideia de como funciona. Nos abraçamos e nos beijamos. Seus beijos faziam meu corpo suar e tremer. Uma sensação molhada na boca me fazia querer mais e mais o beijo. Minhas "partes sujas" começaram a esquentar e umedecer e senti uma pressão dura contra meu quadril. Quando finalmente olhei para baixo e vi o membro de meu homem. Sei que ele me olhou enquanto eu me despia. Só olhei para ele agora. Seu toque "lá" fez uma onda de choque correr meu corpo, foi muito bom, me senti uma pecadora e estava adorando. Ele perguntou se poderia penetrar-me, disse que sim, preparei-me e com os olhos fechados esperei, senti o toque, senti a pressão, senti uma leve dor. Pensei em rezar ao invés disso gemi. Ele devagar começou e um movimento de vai-e-vem e a pele dele me fazia ver o paraíso. Senti algo quente dentro de mim e seu corpo despencou sobre o meu. Seu peso era muito bom sobre meu corpo. Sua respiração no meu ouvido me arrepiava. Eu não havia gozado, acho que nunca gozei.

Dois meses depois descobri que estava grávida. Não queríamos ser pecadores, então, resistindo à vontade fazíamos sexo poucas vezes por semana. Queria ser mãe. Sei que era impossível ser pura como Maria. Todavia não queria ser uma mãe em pecado.

Quando os enjoos começaram corri numa farmácia comprar o exame. Fiz questão de pagar com a mão esquerda para o atendente saber que era casada. Para ele saber que não sou uma qualquer. Dois risquinhos. Ajoelhei e agradeci. Senti toda a felicidade em minha vida. Orei e em seguida precisei correr ao banheiro para vomitar.

No domingo seguinte visitei minha mãe. Lhe contei. Ela chamou meu pai chorando de alegria e marcamos uma festa. Na semana seguinte todos em casa para comemorar. Um tio meu falou pro meu marido "Que pontaria heim? Mal casou já estragou o brinquedo!". Todos rimos e ríamos. Uma prima falou que fazia questão de ir comigo ao médico e que seria a primeira a saber o sexo, antes de mim, não me deixaria ver.

Exames a mais exames.

Mediram tudo.

Então do céu ao inferno.

Eu tinha uma má formação no útero. Nome que não gosto nem de pensar. Havia o risco de sofrer aborto espontâneo, segundo o médico o melhor dos casos, senão teríamos que fazer o aborto. O risco, tanto paro bebê quanto para mim eram enormes. Poderia morrer ou parir um filho morto. Perguntei ao médico senão havia nada a ser feito. "Não, você tem duas semanas para pensar, cada segundo a mais compromete o resultado positivo da intervenção". Deveria ter feito os exames antes, acredito que poderíamos tentar algo. Não sei por quanto tempo chorei, mas não sai do quarto por dois dias, apenas banheiro. Mal comi nesse tempo. Meu lindo marido me levava água e tentava conversar. Não queria falar com ninguém. Cheguei, por um breve instante, ter raiva de Deus. Durou pouco. Percebi que não era culpa dele.

Eu nasci em pecado.

Chamei meu marido e conversamos. Decidi ter nosso filho. "Que mãe é essa que abandona sua cria? ". Ele aceitou, demos as mãos, quatro mãos apertadas. Apoiamos nossas frontes e nossas mãos. Estava decidido. Sete meses horríveis depois, estou aqui, dando à luz. Não abortei, nem naturalmente, a criança se desenvolveu em meu ventre, muitas dores, sangramentos, enjoos e fraqueza, mas aqui estou. Meu obstetra me indicou a cesárea, recusei, meus filhos nasceriam do jeito certo.

- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! - Sinto as contrações fortes, a pressão aumenta e sinto que está nascendo. Minha criança está nascendo... reúno todas as forças que tenho e forço o bebê a sair. Meu marido segura minha mão e tenta me ajudar. Minha dor não diminuí. Não sei quanto tempo durou, mas me pareceram anos de tortura. Até ouvir as doces notas agudas do choro.

Uma lágrima escorreu de meus olhos, essa diferente das outras, não era dor, era felicidade. Meu marido beijos meus lábios. O choro se afasta, sabia que ele ia para UTI após nascer. Quando o som some, abro um sorriso. Não ouço o apito do aparelho que indicava que me coração parara de bater.

...

- Não há palavras meu filho... - dizia o Padre ao jovem que enterrava a esposa e o filho.

Ela nunca chegou a ver a criança pela qual lutou tanto. Seu rosto, magro e fraco, não lembra nem de longe toda a vida que ela exalava. O pequeno caixão branco colocado sobre o dela foi tão pesado quanto o dela. A terra que emoldura ambos esta prestes a cobrir os dois para sempre.

- É a vontade de Deus meu filho – ele ouvia, chorava, soluçava, até desmaiar, não viu a última pá de terra.

Sua última lembrança seria o sorriso da mãe ao ouvir o choro ao dar à luz.

MãeOnde histórias criam vida. Descubra agora