Nova Terra 1: o despertar (prólogo e 1ª parte)

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PRÓLOGO

HÁ SEMPRE ESSE MOMENTO EM SUA VIDA QUE TE FAZ PENSAR EM COISAS. Entre dois longos e audaciosos suspiros, surgem coisas que você nunca ponderou antes. Coisas que te fogem quando você as busca, pois há sempre algo mais urgente que captura suas vontades e desejos. Mas eu não mais me sinto capturado, talvez porque seja enquanto vítima, enquanto presa, que eu possa ver essas coisas pelas quais ansiava mais claramente.

Eu sei que estou morrendo, foi por isso que vim aqui. Por conta deste inevitável fato, fiz, assumi planos inacreditáveis de ressurreição, mesmo sabendo que tudo irá acabar agora. Não acredito realmente que um dia eu possa acordar novamente, não nessa carne. Mas algo me fez querer acreditar, algo que eu ainda não sei o que é. Algo que ainda não vivi, e ainda aguardo viver. Algo que não conheci e que parece me aguardar para enfim me conhecer.

Muitos me disseram que eu temia a morte e por isso me submeti a isso. Mas eles não sabem como eu me sinto. Não sabem que não diz respeito à morte. Por que não são capazes de compreender que entre o amor pela vida e o medo da morte a primeira opção suprime completamente a segunda? Minhas motivações não são movidas pelo medo. Eu nunca permiti que o medo me impedisse de ser o que desejo. Neste momento, a morte tenta me impedir de ser o que ainda não tive tempo de desejar. É meu dever não permitir que ela me derrote. E isso não tem nada a ver com tempo, talvez eu consiga viver aqui, nesse milésimo de instante, o que não vivi durante a minha vida inteira. Talvez eu viva mil anos e não consiga encontrar o que procuro. A única certeza que tenho é a de que eu ainda não sei reconhecer em mim aquilo que eu gostaria de conhecer antes de cruzar o último dos horizontes. Há algo aqui dentro que me impede de ir lá pra fora.

Estou doente, e ela é maligna ao dizer-me silenciosamente que me resta pouco tempo, todos os dias. Os mínimos sinais, ou mesmo o maior deles, pulsante em meu peito entrecruzado ao meu coração, impulsiona a contagem regressiva para o fim. Em alguns momentos, dou-me conta de que a batalha contra a doença nada tem a ver com a morte. Esta é inevitável e vence todas as vezes. Torna-se serena e prazerosa em contraste com a dor que me aflige. Soa como um bom lugar para se estar, mas não é onde quero estar, não agora. 

A batalha continua enquanto escrevo estas palavras. A doença conhece minhas fraquezas, se alimenta delas. Incapaz de eliminá-las, eu crio minhas fortalezas. Tranco-me em minha mente e pressurizo meus sentimentos para que nada mais possa me atingir ou alcançar. Não permito que a doença que me consome fisicamente dite os rumos dos meus desejos, o único contato que tenho com ela é a constante lembrança a que me obrigo, de que ela não é suficiente para me fazer parar. Eu não quero parar, não aqui. Não nessa praia vazia, no fim de tarde mais longo que já presenciei. Não quero parar antes de contemplar o completo espetáculo de um astro que renasce ao tempo em que morre, aqui, lá, em todo lugar. Aqui o que quero é ser parte desse show, contribuir poeticamente para a verdade incrustada nele, repeti-lo, vivê-lo em mim como o ato último e primeiro.

Olho para a pulseira em meu braço e me pergunto se valerá mesmo a pena. Às vezes dou para trás em meus pensamentos, sou contraditório. Faz parte do ser humano, eu acho. É porque não temos o quadro inteiro nas mãos, não contemplamos a obra completa, não nos vemos sobre a floresta. Não pegamos o rio do seu início, estamos sempre em algum ponto, vislumbrando as águas que foram e ainda serão. Chegamos e partimos incompletos, deixando uma parte de nós em algum lugar, partindo para o outro lado e deixando uma parte de nós aqui. Onde me torno completo? Aqui, nesta vida, ou do outro lado? Minha mente pressurizada está atada a este problema. E é minha resposta, a de que não estou completo, e de que nunca estarei, pois o desconhecido sempre guarda para mim uma chave para uma nova porta, que me leva a mais portas, cujas chaves ainda não posso ver. Recomeço novamente, um novo sol nasce para iluminar este novo problema.

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⏰ Última atualização: Mar 01, 2014 ⏰

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