Na escuridão se escondem segredos de tempos remotos. Segredos profundos que deixaram evidências bem marcadas em nossa mente, porém estas memórias ocultas são frequentemente negligenciadas, como o medo instintivo do escuro.
Algumas vezes, durante o sono, nossa mente nos faz o favor de lembrar sobre essa visceral desconfiança, acordamos sobressaltados prontos para fugir. Racionalizamos culpando a refeição pesada ou o filme de terror e voltamos a dormir felizes com o torpor da ignorância. Porém em alguns raros momentos, essa porta para o obscuro não se fecha e temos, momentaneamente, a sensibilidade e habilidade necessárias para vislumbrar os rastros deixados pelos seres que habitam as sombras. E se tivermos sorte, não seremos notados e retornaremos a nossa pacata e inocente vida com a nossa sanidade intacta. Mas nem sempre voltamos intactos.
Era uma noite quente sem lua, como sempre deitei em minha cama e deixei a mente fluir, construindo mentalmente desenhos a partir das rachaduras no teto e nas paredes do quarto onde dormia, na casa de uma amiga. Dormi um sonho inquieto e acordei em um escuro profundo sussurrando uma palavra que ainda hoje tento reproduzir, mas cuja mera lembrança do som faz meu sangue gelar e minha língua recusar a repetir tal sequência de fonemas.
Sentia que algo me observava, e olhei em volta, mesmo com a escuridão total consegui enxergar uma mão negra e deformada, saindo das rachaduras em direção ao meu rosto. Um toque gélido que congelou minha pele por um instante e fez com que aquele ponto de minha face nunca mais sentisse o que é calor. Com o coração acelerado criei coragem e me levantei, acendi a luz e tudo voltou ao normal.
Levantei-me, fui até a cozinha e bebi um copo de água. De volta ao meu quarto voltei a sentir segurança, mas uma vez que o quarto estava escuro novamente a normalidade se foi, em cada uma das rachaduras conseguia perceber os rastros daquela força maligna e sobrenatural, que com apenas um toque destruiu minha sanidade.
Não demorou para que as outras pessoas notassem que havia algo de errado comigo, atribuíam o frio que sentiam em minha presença a depressão, alguns menos céticos chegavam a cogitar algo envolvendo auras negativas, mas nada disso era a verdade. Eu havia me tornado, a partir do contato maldito, um elo de ligação do nosso mundo com um mundo secreto e caótico, raiz de todo mau. Você pode chamar de inferno se quiser, mas sinto que nenhuma das religiões em nosso mundo é capaz de descrever aquilo que se esconde nas rachaduras das paredes e nos pontos mais escuros de nossa realidade.
As vezes nos sentimos observados, como se algo estivesse à espreita. Eles se escondem em lugares que evitamos olhar, rachaduras, frestas, embaixo dos móveis. Eu aprendi a encontra-los e passei bastante tempo tentando descobrir como evita-los. Evitar de vê-los em meu sono, descobrir como distinguir pesadelo de realidade.
Busquei ajuda médica, mas não houve remédio que me curasse do conhecimento sobre a realidade que nos cerca. Hoje me despeço, com este relato, uma vez que não tenho a coragem necessária para acabar com minha vida, consegui online um médico disposto a me fazer uma lobotomia e assim destruir qualquer lembrança ou conhecimento sobre aquilo que não deve jamais ser visto.
Deixo este último alerta, evite os lugares onde eles se escondem, não olhe, não tenha curiosidade. Quando se sentir observado, apenas fuja, não olhe para trás. Tema o escuro.
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Medo
HorrorTodos nos sentimos observados as vezes. Alguns sentem aflição ao ver portas entreabertas ou rachaduras em paredes. Sentimos medo do escuro e da solidão. Sentimos medo. E isso é algo bom, por que o medo é um mecanismo de defesa contra coisas que não...