- Esta é a vida real? - perguntava-se John aos gritos. Com amargura, ele se lembrava da sua amada América. Tantos anos se passaram desde que ele chegou às terras brasileiras, que até mesmo seu sotaque desaparecia aos poucos. Ele se recordava de como sua vida era mais saborosa do que agora, pois atualmente morava em um morro na cidade de Vitória. Havia tempos, ele não praticava sua língua materna e, às vezes, quando conseguia acesso à uma boa rede de internet e tentava falar com sua filha, ele esquecia de palavras que, anos atrás, não deixavam de aparecer em sua fala diária.
John olhava suas mãos e via toda aquela sujeira vermelha que escorria e que ele sabia que nunca mais sairia dali.
O barraco onde morava estava revirado como se uma tempestade tivesse passado por ali.
-Droga de barraco! - a atual moradia dele é muito diferente do apartamento de luxo que possuía em Manhattan, antes de perder todos os bens.
Ele não sabia o que fazer.
Os vizinhos com certeza ouviram tudo. Os gritos. As pancadas. Os móveis, baratos e quase podres, caindo no chão e se quebrando. Desde que chegou à cidade, não conseguiu um trabalho fixo. Ele viveu dos pagamentos dos bicos que fazia.
O que ele sabia fazer bem não tinha recompensa, mas tinha muitas consequências. Como precisaria se mudar novamente em breve, John não quis alugar uma casa boa. Ele pegou o primeiro casebre que achou vazio e se instalou ali mesmo. Agora, ele terá que partir pra outro lugar. Mas aonde ele vai?
Ele não sabia.
Sua única certeza era a necessidade de uma fuga rápida.
Apesar de os vizinhos não se meterem em brigas de família porque têm medo que algo ruim aconteça a eles, dessa vez se podia ouvir as sirenes de alguma viatura policial rugindo ao pé do morro.
O cadáver jazia no meio da sala bagunçada.
O corpo rodeado por uma poça de sangue, a cabeça amassada e o rosto desfigurado.
As únicas pistas de que o morto, na verdade, é uma mulher, eram os seios grandes e um pouco caídos, devido à idade da dela, e as roupas femininas e ensanguentadas. Não havia a necessidade de esconder o corpo, porque todos que escutaram os sons do que eles faziam dentro da casa, o acusariam de assassinato.
Ninguém no morro o conhecia muito bem. Quem o conhecia sabia apenas que ele chegara ali há pouco mais de um ano e, apesar de ele não ter muitas amizades, as pessoas podiam saber que ele não era brasileiro graças aos resquícios que sobrara de seu sotaque.
Os passos apressados dos policiais se tornaram cada vez mais audíveis e John se desesperava. Ele não queria ser preso ali. Ele não foi capturado nem mesmo pelos policiais americanos quando todos os seus esquemas foram à tona.
Ele tentava arrumar uma pequena mala com suas poucas roupas velhas, mas suas mãos tremiam por causa do nervosismo e do medo de ser preso.
De repente, uma luz invadia o casebre através das frestas das paredes de tábuas. Seu fim chegou.
Um policial gritava de fora:
- Saia da casa com as mãos para cima ou nós vamos invadir!
Agora, tudo o que ele pode fazer é se entregar. Fugir estava fora de questão, pois não havia outra saída além da porta da frente. As janelas, também feitas de madeira, não eram abertas desde muito tempo antes de ele se mudar para lá. Ele não fazia questão de abri-las, porque queria o máximo de privacidade. Mesmo se decidisse abrir qualquer janela, nada importaria, porque a casa estaria cercada.
Ele parou o que estava fazendo. Caminhou em direção à porta. A regata que ele usava estava suada. Ele suava ainda mais e sentia calafrios por todo o seu corpo.
John abriu a porta. Saiu. Levantou os braços. Caminhou em direção ao policial que o esperava.
Seu coração batia muito acima do normal.
A noite, cada vez mais escura, dava a ele medo e também esperança. Quem sabe um animal selvagem saltasse ali na frente dele e o devorasse. Seria muito melhor do que apodrecer na prisão.
O policial, para quem John caminhava, pegou as algemas e foi em direção a ele.
John estacou na metade do caminho.
De repente sentiu as pernas se mexerem ao ponto de dar início à uma corrida frenética em busca da liberdade.
Não se sabe de onde ela veio, mas ouviu-se um som e viu-se um clarão acabar com a escuridão a sua volta por alguns míseros segundos. Uma bala cortava o ar e em direção ao cérebro de John.
Ele caiu no chão.
Teve o mesmo destino da moça em sua casa. Ele submergiu na poça do próprio sangue. A saga de John Williams - o líder de um grande escândalo de corrupção que foi descoberto nos EUA, há quinze anos - chegou ao fim.
Agora ele não vai mais precisar fugir ou se esconder. Ele queimará no fogo do inferno, assim como as pessoas que matou ou cujas mortes foram ordenadas por ele. Será um grande encontro.
A filha que não o via há anos, desde que ele saiu da sua pátria, agora o verá como um cadáver, talvez nem isso seja possível, porque o velório será feito com o caixão fechado. Uma criatura pálida e sem vida, cuja finalidade é apenas assombrar a memória de quem o amava.