Quimera

Como começou.

Houve um tempo, antes mesmo de o tempo se chamar tempo, que as coisas eram diferentes. Não diferentes do tipo menos tecnologia e mais interação social. Foi uma época onde os sentidos eram triplamente aguçados e onde sentir algo não era apenas sentir algo mas viver cada movimento que o seu corpo era capaz de fazer. Cada movimento era pensado, era necessário se lembrar de piscar e de bombardear sangue para o corpo, de não alongar os músculos demais e de não permitir que muito cabelo caísse da cabeça, tudo ao mesmo tempo. Parece difícil, não é? Mas uma semana após o nascimento, os bebes já haviam aprendido a controlar tudo isso, e era mais que normal.

Durante uma época onde cada milimetro do seu corpo era controlado por você e cada toque de outra pessoa era como um pequeno terremoto eu, e unicamente eu, nasci assim, sem sentir praticamente nada. Era revoltante. Eu ouvia as descrições que as pessoas faziam para mim quando o sol as atingia, descrições do percurso que a água fazia ao entrar no corpo delas e de como um abraço de 5 segundos parecia durar uma eternidade e provocar sensações únicas.

Eu precisava de mais, sempre mais. Mas ninguém era capaz de me fazer sentir assim, era impossível para elas até mesmo um abraço apertado que durasse mais que 15 segundos. Eu ficava frustrada em qualquer tipo de relação que eu pudesse vir a ter, e obviamente não era culpa de ninguém, só minha. Eu tinha que achar um jeito de conseguir me sentir da mesma forma que elas ao menos uma vez, só para eu ver o que eu perdi durante todos esses 20 anos. Queria sentir a adrenalina que eles sentem ao atravessar a rua, queria ver o que eles são capazes de ver em uma aglomeração de pessoas e queria sentir o prazer que eles sentem em um simples banho.

Antes de contar minha história tenho que dizer que não é como nos contos de fada e que sou só uma pessoa, a mais deplorável e desprezível de todas as que vieram antes e mim e que esta não é uma história com um final feliz.