Marta Hari

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"Toda mulher bonita é uma lésbica que tem um caso de amor consigo mesma."

Nelson Rodrigues


Novas experiências sexuais, Gisele aprendera há muito tempo, podem ter implicações inesperadas. Ela descobrira o fato na primeira vez em que contracenara uma cena lésbica. "Concentre-se no dinheiro", ela costumava dizer a si mesma.

– O que você está pensando, amor? – perguntou Rubem, interrompendo suas lembranças.

– Nada – ela respondeu, acomodando a cabeça ao travesseiro.

O homem se virou de costas e seguiu dormindo. Um leve ronco ecoava pelo quarto. Gisele, ignorando o som, acendeu o abajur à meia luz e passou a observar o corpo nu de Marta, que estava deitada ao seu lado esquerdo.

Ao contemplar a jovem, Gisele lembrava-se de seus vinte e poucos anos. Dotada de uma beleza excepcional, ela sempre chamou a atenção. Onde que quer fosse havia olhares ao seu redor, e não apenas de homens, mas também de mulheres.

"Como você é bela", ela refletia, enquanto admirava Marta, "não consigo acreditar que um dia eu fui tão bonita", Gisele acariciava o rosto da moça, que permanecia de olhos fechados.

As duas mulheres, não fosse pela diferença de idade, poderiam passar por irmãs gêmeas. Portanto, a comparação mais adequada seria deduzir que Gisele e Marta eram mãe e filha, respectivamente.

A despeito de ter contracenado várias cenas lésbicas durante sua carreira pornográfica, o primeiro beijo fora das câmeras foi uma experiência transformadora para a mulher de meia-idade. Marta e Gisele, entre outros atos sexuais que praticavam, se beijavam com frequência nos inúmeros ménage a trois com Rubem. Nas primeiras vezes, Gisele aceitou participar apenas para realizar uma fantasia sexual masculina muito comum. Porém, com o tempo, ela passou a desejar Marta tanto quanto seu marido.

"É só sexo", "é somente algo que faço por que me dá prazer", "amar eu amo o meu marido", Gisele tentava justificar-se, pois a ideia de vir a nutrir por uma mulher os mesmos sentimentos que tinha por um homem a assustava mais do que o sexo lésbico. Afinal, o ato sexual era restrito a um momento de prazer fugaz, enquanto amar significava uma entrega emocional completa a outra pessoa.

Contudo, Gisele amava Marta. Ela não mais podia negar. Encontros tórridos, e desta vez sem a presença de uma terceira parte masculina, passaram a ser comuns. Igualmente corriqueira era a forma como elas tornaram-se inseparáveis. Gisele encontrou em Marta um ombro amigo e um companheirismo que nunca teve com seu marido.

"Não deveria te amar. Você não é real. Você é apenas uma paródia de mim mesma. Algo que Rubem mandou construir para ganhar dinheiro". Atormentada, Gisele lembrou-se da primeira vez que seu marido sugeriu adquirir uma ginoide. A solução para contornar as novas leis anti-pornografia fora encomendar da Corporação Saiteki uma réplica de Gisele, que serviria como substituta nos filmes.

– Você não consegue dormir? – perguntou Marta, abrindo os olhos e percebendo a expressão confusa de Gisele.

– Não – Gisele respondeu, com uma voz meiga, e então beijou-a nos lábios.

"Isso é loucura!", pensava, "essa garota... sou eu!".

Porém, o fato era que Marta não era Gisele. Gisele fora Marta um dia. A diferença não estava apenas na pele jovial e nos seios firmes, mas principalmente na sua personalidade.

Marta HariOnde histórias criam vida. Descubra agora