Família

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Está escuro. Tento abrir os olhos mas meu esforço é inútil. Meus pés estão congelando. O frio toma conta do meu corpo, fazendo-me tremer. Me envolvo num abraço comigo mesma para tentar me aquecer, mas é inútil.
Não sei como, mas sinto que não estou só. Algo está me observando, sentindo minha presença, assim como eu sinto a dele. Meu corpo arrepia com o temor que sinto.
De repente a criatura se aproxima e, quando vejo, nossa distância pode ser medida por respirações.
O que era pra ser seu rosto se parece com uma cirurgia plástica mal feita, ou algo assim. Sua boca é grande e larga, com dentes afiados e um sorriso disfarçado. Seu hálito é quente e sopra os fios de cabelo que estão cobrindo meu rosto.
Ele sussurra algo parecido com meu nome, e agarra meu braço com força, fazendo com que eu fique de joelhos implorando por minha vida. Quando levanto meus olhos para vê-lo...

Acordo com o som do despertador.
Preciso me arrumar para ir pra escola. Quando estou trocando de roupa vejo um grande hematoma manchando minha pele.
Tomara que eu esteja vendo coisas mais uma vez, pois, se Mia ver estas marcas, vai me matar de vez.
O dia é calorento, mas, mesmo assim, visto um casaco para cobrir a marca.
Vou para cozinha, e lá está ela. A mulher que "me criou", Mia. Não consigo olhar em seus olhos.
-Bom dia.-diz ela.
Eu não digo nada, como sempre.
-Eu disse bom dia Hazel.
Abaixo a cabeça e tento sair andando para a escola, mas ela bloqueia meu caminho.
Apontando o dedo na direção do meu rosto, ela diz:
-Diga "bom dia" Hazel. Agora.
- Bom dia.-digo com voz irônica.
Ela dá um tapa em meu rosto, fazendo com que um pouco de pó grude em minha pele.
-Você vai me respeitar sua merdinha.
Me desvio dela e saio correndo para rua.
Limpo meu rosto com raiva, fazendo minha pele arder pela força que uso. Não quero que isso faça parte de mim, quero que isso fique longe de mim pra sempre. Foi isso que estragou nossas vidas.

Mia não pode ser considerada uma mãe. Os filhos amam suas mães e as mães amam seus filhos. Conosco é muito diferente.

Chego na escola. As pessoas me olham como se eu fosse de outro mundo, mas já me acostumei.
Passo rápido pelos corredores e pego minhas coisas no armário.
Anna se aproxima, mas finjo que não a vejo.
-Olhem meninas, a drogada esquisita tá com frio -Reparo que sou a única na escola toda que está de casaco. Realmente está fazendo muito calor- e ainda usa esse casaco de velho!
Ela puxa minha manga, fazendo com que ela suba é mostre o hematoma de meu braço.
Todos estão olhando para ele agora. Sinto uma vontade enorme de gritar, fugir e bater nessa merda de garota, mas a única coisa que faço é puxar a manga de volta e ir correndo para o banheiro.
Sinto os olhares acompanhando meus passos com horror.
Me tranco no banheiro e começo a chorar e gritar, tentando diminuir a dor e humilhação que fluem em mim a cada dia.
Olho para o espelho, tentando me acalmar, mas meus olhos estão vermelhos, fazendo-me lembrar do dia em que Mia estava se drogando e apagou um cigarro de maconha em meu pescoço. Passo os dedos por cima dá marca que ficou e a dor me consome ainda mais.
Lavo meu rosto até ele ficar um pouco mais normal.
Vou para aula e tento levar o resto do dia como algo normal.

Hoje tem aula de literatura, minha preferida, onde aprendemos a ver o mundo como algo mágico e bom. É a única fonte de esperança que tenho.
No recreio vou para meu lugar favorito dá escola, a biblioteca. Vejo um livro que parece ser muito bom, chamado "O mágico de Oz". São esses tipos de livro que eu adoro ler. Prometo para Maria, a bibliotecária, que vou traze-lo de volta.
Infelizmente a aula acaba e tenho que ir para casa. Porém, antes de ir, vou para a sala de Rutte, a conselheira.
Rutte é uma mulher compreensiva, que muito me ajuda sem dizer uma palavra.
Com lágrimas nos olhos, vou correndo em sua direção e lhe dou o abraço mais apertado que consigo. Ela beija meu cabelo retribuindo o abraço.
Antes ela costumava fazer perguntas, mas como sabe que não vou responder, ela não insiste mais.
Ela sim poderia ser minha mãe.
Me solto dela e vou para o portão, certificando que não há ninguém que possa me humilhar ainda mais.
Chego em casa e vou direto para meu quarto.
Mia está apagada no sofá como de costume. Deve ter tomado drogas demais.
Rezo para que ela esteja morta, mas, quando chego mais perto consigo ouvir sua respiração.
Vou para a cozinha em silêncio e faço o resto de um macarrão instantâneo​ para comer. Essa é minha primeira refeição do dia.
Meu estômago geme em agradecimento.
Tomo banho, vou para o quarto, me tranco e faço os deveres. Acabo tudo antes dá hora de dormir, o que não é nada bom, já que terei de ficar mais tempo acordada com aquela mulher.
Abro a porta e ela ainda está no sofá. Corro para a cozinha o mais rápido que consigo, mas em silêncio é claro. Pego o máximo de comida possível e enfio nos bolsos. Volto para o quarto e me tranco novamente. Agora tenho o suficiente para passar a noite aqui sem que tenha que me deparar com ela. Começo a ler e a me perder num mundo de fantasia que me fazem sentir um pouco de alegria nesse fim de mundo; e, finalmente, pego no sono.
Mas não sei se isso é uma boa coisa...

HazelOnde histórias criam vida. Descubra agora