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— Ele é gatinho, mas não tem onde cair duro. Acredita que eu quem tive que pagar a pizza porque ele só teve o dinheiro dos nossos ingressos no cinema? E a gen...

Olhei através da cerca, meu pensamento começando a divagar. A voz de Marcela foi diminuindo, assim como o som dos meninos jogando futebol. Eu ainda não entendia porque eu fazia aquilo comigo mesma. Carla que estava com a gente tinha um namorado que treinava terça e quinta no pátio do bairro, e ele se tornara amigo de seu novo vizinho. Já era o quarto treino que Marcela vinha assistir, mas nada do garoto responder às suas investidas.

— Ai meu Deus, olha para aquela vadia. O que ela tá fazendo aqui? — me virei na direção do olhar assassino de Marcela.

Francis estava do outro lado do campo e os meninos pararam o jogo por alguns segundos apenas para olhá-la.

— Ai que droga! Gustavo tá olhando para ela, e todo mundo sabe que ela chupa qualquer um.

Francis estudava no ensino médio com a gente, mas era de outra turma. Havia muitos boatos a respeito dela e todos os caras diziam ter comido ela pelo menos duas vezes.

Os meninos voltaram a chutar a bola, Francis sentou-se na baixa arquibancada de cimento, segurando seu cachorro. Usava botas marrons de cano médio e um short jeans desbotado. Os cabelos estavam acima dos ombros em ondas praianas e ela usava aquela franja acima da sobrancelha há dois anos. Todas as meninas copiaram, mas aquela franja nascera para o rosto e estilo de Francis.

— Consigo ver o útero dela daqui — Marcela alfinetou, pouco se tocando que usava uma minissaia e que nem cruzava as pernas, deixando à mostra um tecido de renda turquesa.

Suspirei, quanto tempo eu teria que aguentar àquela tortura? Levantei-me e passei pelo meio do campo, pouco me importando em levar uma bolada na cara.

— Aline, aonde você vai? Line, me responde — ignorei os chamados da Kris e atravessei o campo.

Francis vestia uma camiseta do Ramones, seu cachorro olhava animado a bola ser driblada entre os pés dos jogadores.

— Ah, oi Aline — Francis me cumprimentou. Ela era sempre educada e simpática. Vivia de bom humor.

Sentei-me ao seu lado e vi Fernanda me fuzilando com o olhar. Ignorei

— Posso tocar nele?

— Vem, Huck — ela chamou o cachorro que me cheirou e lambeu meu rosto, depois desceu a arquibancada e voltou a observar o jogo.

— Quer que eu chame a polícia?

— Quê?

— Acho que Marcela vai matar você, não faz parte do séquito dela?

— Não sou bichinho de estimação dela — falei desafiadoramente enquanto notava os finos pelos loiros nas pernas de Francis.

Marcela marcava depilação para ela, Carla e mim. Tirávamos todos os pelos, até do dedão do pé.

— Certo.

— Não sabia que você gostava de futebol — puxei assunto, olhando as sobrancelhas grossas e rebeldes dela.

— E não gosto. Estava passeando com Huck e resolvi dar uma olhada, mas já estou indo — ela pulou, caindo de pé e já puxando seu cachorro.

— Eu também vou — falei, seguindo ela e saindo pela porta com cerca do pátio. Francis sorriu.

— Sua casa não fica para lá? — perguntou enquanto sorria, parecendo achar graça de mim.

— Fica sim, mas vou te deixar em casa — respondi, seguindo-a.

— Você é louca — riu.

Francis era linda, os cabelos estavam de um rosa pastel no sol e levemente alaranjados na sombra, e ela usava uma fina coleira preta no pescoço.

— Você tá me encarando.

— Desculpa, mania feio que eu tenho.

— Me deixa sem graça — abriu um sorriso, os olhos se apertando e sumindo enquanto seu nariz franzia.

Senti meu coração batendo loucamente no peito ao olhá-la daquela forma. Havíamos parado enquanto Huck fazia suas necessidades sem vergonha ou pudor.

— Aline, você tem quantos anos?

— Dezesseis, vou fazer dezessete em abril e você?

— Fiz dezessete em janeiro.

— Eu soube — me lembrei das fotos no facebook dela em uma reunião familiar.

— Já tá pensando na faculdade que vai fazer?

— Para falar a verdade, não faço ideia do que quero cursar. A maioria já escolheu seu curso, mas eu não sei do que eu gosto.

— Pensei que quisesse ser escritora... — Francis soltou de repente.

— Como sabe? — perguntei, surpresa.

— Li alguns dos seus contos naquele site o...

— Wattpad — murmurei.

— Esse mesmo — deu um pulo —, li alguns de seus contos e adorei aquele da cabana.

Senti meu rosto ficar quente, era um conto erótico entre dois rapazes.

— É apenas um hobbie, nada sério.

— Pois deveria investir no que você gosta. Vai dizer que se vê como uma engenheira?

— Não — respondi com a cabeça baixa —, mas quando o fim do mundo chegar, os escritores não serão assim tão necessários, já os engenheiros...

  — E quem você acha que vai escrever a história da humanidade no fim do mundo?

Balancei a cabeça, não tinha como argumentar.

— Então pronto. Chegamos — Francis parou de frente para uma casa com portão branco baixo. Abriu o ferrolho e Huck entrou correndo na residência. 

Ela me olhou, os olhos verdes delineados com lápis negro. Senti a minha boca seca, mas sorri.

— Você quer entrar? Minha vó deve tá tirando um cochilo?

— Tá bom — passei pelo portão e seguimos pelo caminho de pedrinhas.

A casa tinha cheiro de velho. Os móveis eram escuros e antigos, daqueles que ninguém muda eles de lugar por serem muito pesados. Haviam tapetes cobrindo os corredores e muitos retratos pregados pelas paredes. Francis abriu uma porta que era pintada de verde e que devia pertencer ao seu quarto.

— Pode entrar, aqui é o meu quarto. 

Ela fechou a porta após eu adentrar o cômodo. Olhei para fora, a janela dava para um quintal cheio de plantas e algumas árvores. O teto era baixo, as vigas de um marrom quente. Olhei uma pintura em cima de um cavalete próximo à janela.

— Não sabia que você pintava — ela estava corada enquanto me via observar sua obra. Olhei Francis, as sardas visíveis à luz natural. — Você é tão linda — soltei de repente, então abaixei a cabeça, me sentindo uma idiota desastrada.

— Ei — ela segurou meu queixo, erguendo meu rosto. Eu a olhei, o nariz pequeno e arrebitado, a boca com o lábio superior em meia lua, as sardas intensificadas pelo verão, os olhos verdes com a pupila quase engolindo o verde.

Então ela me beijou.

Francis - Conto LésbicoOnde histórias criam vida. Descubra agora