Prólogo (Reescrito)

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O tempo em Paris durante o mês de dezembro anunciava a chegada das festas de fim de ano, durante toda a semana a sensação de umidade e frio contrastou com leves pancadas de chuva e um céu azul, mas que ao mesmo tempo não expressava nada além da homogênea cor. Seria hipocrisia da minha parte não reafirmar o óbvio, essa sensação climática europeia me preenchia por inteiro e, com isso tornava meu estado emocional instável à considerar as festividades que estavam próximas e que a muitos anos não eram mais tão felizes e nem faziam aflorar boas sensações me meu peito. Eu observava os grandes jardins que se estendiam por toda a frente do prédio de alojamentos da Academia enquanto pensava no meu desempenho da semana. Alunos pertencentes a instituições de arte são instruídos a estar em um processo de melhoria constante, e isso me preocupa por estar tão cansado de maneira física e emocional nos últimos dias, mas isso não me faria desistir de estar sempre em uma boa colocação em comparação aos demais.

Divago por alguns caminhos dentro da minha memória e puxo alguns momentos inesquecíveis enquanto aprecio a chuva que torna a cair. Me ponho a lembrar de coisas boas e ruins, da minha primeira viagem, de situações engraçadas junto com meus amigos, da minha primeira competição internacional, do meu primeiro beijo e, também, do meu primeiro dia na Academia.

De todos os filhos eu sempre fui aquele que meus pais não faziam tanta questão e isso fez com que eu tivesse uma forte sensação de que eu não fazia parte e não me encaixar no lugar em que eu vivia. Eu não me sentia bem-vindo no meio daquelas pessoas.

Meus pais nunca tornaram isso explícito, mas com o tempo eu passei a entender que na verdade a gravidez da minha mãe, da qual eu fui fruto foi totalmente indesejada por todos, isso incluía meu pai, meus irmãos e até mesmo a minha mãe. Nunca houve a vontade de se ter mais um filho na família, eu nasci por um descuido dos dois, mas aparentemente tratam e veem isso como se eu tivesse feito isso de propósito, o que não faz o menor sentido. Eu sofri muito com isso e não minto.

Meus irmãos tiveram uma infância e adolescência extremamente feliz e regada de amor e caminho por parte dos meus pais enquanto eu observava quieto e em algum canto o quão quisto eles eram. No total eu tinha cinco irmãos, três meninos e duas meninas. Os meninos eram queridos pelo papai, eram sempre vistos como causadores de orgulho e eram uma cópia fiel dele, praticavam esportes, lutas e viviam competindo em campeonatos das quais a família toda era convidada para torcer, com certeza eram uma projeção perfeita daquilo que eu não fui. Minhas duas irmãs eram ligadas à mamãe e igualmente eram incentivadas a praticarem esportes e outras atividades artísticas como dança, além de cursos de línguas, sempre queridas por todos da casa, mamãe morria de orgulho, papai e meus irmãos as protegiam como se fossem finas e frágeis porcelanas chinesas. A família era feliz e isso resplandecia nos olhares enquanto conversavam ou estavam juntos em alguma atividade ou momento de descontração na sala de cinema, eu por outro lado, vivia preso em meu mundo particular longe de tudo e todos que não me faziam bem.

Não quero que achem que eu sinto rancor ou que guardo algum tipo de raiva, sendo sincero, talvez eu sinta uma mágoa e ela continua viva aqui, no meu peito por nunca terem tido um tempo para mim, mas isso nunca me impediu de ser quem eu sou e, eu aceitei isso alguns anos atrás.

Diferentemente do tratamento de indiferença por parte dos meus pais eu tinha a minha amada e falecida avó, Clarisse Sicchierolli. Quando eu tinha sete anos de idade ela me apoiou a fazer o teste para as vagas que tinham sido abertas recentemente para a Academia Internacional de Artes, renomado e prestigiado colégio para ensino de artes que era espalhado por diversos lugares do mundo. Eu sempre fui um amante das artes e isso teve um toque de minha avó, eu tentava imitar movimentos de ballet que via na televisão e treinava piano quando passava as tardes em sua casa que era uma espécie de refúgio. Vovó e eu cantarolávamos canções por todos os cantos da casa enquanto cozinhávamos ou apenas estávamos nos divertindo na presença um do outro. Seu apoio sempre esteve ali para que eu aflorasse o meu lado artístico, ela reconhecia o meu potencial. Eu fui tolo em achar que eu teria o apoio dos meus pais para a minha inscrição na Academia, e fui mais tolo ainda de achar que eles iriam perder seu precioso tempo para tentar correr trás de algo que faria bem para mim.

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