O Céu Que Nos Une

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Fazia uma noite fria enquanto uma jovem menininha brincava com seus carrinhos embaixo do cobertor até ouvir passos no corredor e se virar bruscamente. Fechou seus olhos e fingiu estar dormindo. À porta parou uma mulher com cabelos trançados, olhos negros e pele negra, com feição de quem estava prestes a dar uma bronca na garotinha que deveria estar dormindo, mas ao vê-la encolhida sob seu cobertor, abriu um sorriso e encostou a porta. Nesse mesmo instante, a garota pulou e voltou a brincar escondida. Pouco atrás dela, um jovem de longos cabelos negros e cacheados a observava, rindo da astúcia que a pequena apresentava. Seu nome era Nanael.

Nanael possuía pouca experiência no ramo da guarda. Ele já havia sido auxiliar de porteiro dos céus, treinado para combater as forças do mal que persistiam em tentar invadir os gramados celestiais, no entanto, como anjo da guarda, era sua primeira vez. Sua face carrancuda poderia assustar, mas alguns próximos conheciam seu real valor e o incumbiram de proteger a jovem Julia, tarefa um tanto complicada.

Julia era do tipo de garota aventureira. Ela adorava fazer arte e correr perigo, o que - para uma primeira vez como guarda - não agradava em nada o ser angelical. Ele já havia quebrado a tampa de vidro do sanitário - com uma forte rajada de vento - ao ver a garotinha tentar pegar suas próprias necessidades, o que não a faria nada bem caso ingeridas. Mais recentemente, distraída enquanto corria atrás de uma pipa, ela atravessou a rua em frente a sua casa sem notar que um carro vinha a toda velocidade; Nanael, sabiamente, empurrou a pipa para cair na direção oposta da rua, fazendo assim a garotinha dar meia volta enquanto o carro passou a milímetros da perna dela. Pobre anjo, caso possuísse um coração mortal, já teria infartado.

E assim ele acompanhou toda a fase de descobertas e curiosidades extravagantes da pequena humana, tentando - sempre que possível -, protege-la de algum dano incurável, mas sempre a deixando com alguma grande história, a qual contava animadíssima para sua família, que já não sabia mais o que fazer.

As aventuras eram rotineiras, basicamente ele não tinha mais tempo para nada, até a adolescência chegar, trazendo uma grande reviravolta na vida do ser alado e da humana. Ele passou tanto tempo correndo atrás da garota para cima e para baixo, que não sabia como se comportar com aquele ser que Julia havia se tornado - uma garota que vivia em seu quarto em frente a uma tela enquanto seus ágeis dedos digitavam longas frases. Se fosse apenas por isso a tarefa teria se tornado extremamente fácil - os riscos haviam diminuído -, ele possuía até mesmo um tempo calmo e tranquilo para ler e aprender a tocar banjo, entretanto, não era só isso.

A adolescência veio e com ela vieram problemas. A garota de pele negra, olhos castanhos escuros, boca carnuda e cabelos cheios agora adorava responder os seus pais e, depois de fazer isso, ia correndo para seu quarto, furiosa, com os olhos encharcados; outras vezes, entrava naquela máquina onde a maioria de seus conhecidos se encontrava, porém, após alguns minutos sorridentes, começava a se enfurecer e, em seguida, começava a chorar convulsivamente. Sua alimentação não era mais a mesma, comia qualquer doce que via pela frente para tentar controlar sua ansiedade. Antes não largava seus carrinhos, na atual fase já havia doado todos e não se separava de seu estojo de maquiagem. Na escola, antigamente, prestava atenção na "Tia Rose" e fazia tudo com extrema concentração, esforçando-se para entender como descobrir quanto era 1 + 1; atualmente, sequer escutava algum dos seus professores, preferindo ficar no fundo, flertando com um garoto que adorava chamar de Crush ou fofocando com suas amigas sobre o que "havia feito na noite passada". A sua imaginação era de fato deslumbrante, pois fazia todas as garotas permanecerem boquiabertas com suas histórias, o que a tornava, dia após dia, uma das garotas mais populares. Pena que todo esse ânimo era falso e, ao adentrar em sua moradia, todo esse mundo surreal desaparecia, voltando a ser uma garota frágil e carente.

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