Olhei fundo em seus olhos, me perdendo na profundidade que eles tinham. Seu sorriso já não estava mais em seu rosto. Suas mãos tremiam. Ele estava com medo. Assim como eu estava. Ele queria mais tempo. Eu também.
"Tic-tac", o relógio fazia. A cada segundo, eu sentia o coração dele apertar. Era como se estivéssemos ligados um ao outro por um só coração. Sentia sua pulsação, sua respiração saindo da sua boa entre aberta. Seu desespero era como se estivessem cortando os fios que me ligavam. Era pior do que a própria morte.
Uma amizade tão ingênua como a nossa não merece terminar assim. Estava tudo bem até o meu segredo ser revelado. Eu não entendia porque os humanos achavam que robôs não podiam ter sentimentos. Eu já havia perguntado aos meus criadores. Eles me deram uma resposta idiota: "Vocês vão para a guerra lutar, e não queremos que vocês sintam nada!". Aquilo me deixou assustada.
"Tic-tac", o relógio fazia sincronizado com os passos dos homens. Eles estavam se aproximando para me matar. O tempo já não podia mais ajudar. Queria voltar e recomeçar. Queria poder sair daqui. Fugir para um lugar longe de homens. Longe de guerras. Era tarde demais. Desliguei-me do mundo. Não adiantaria mais lutar. Eu perdi o tempo que me restara.
Culpa. Era isso que eu sentia. Malditos sentimentos. Malditos homens. Maldita amizade. Maldito tempo. Eu estava enlouquecendo. Eu iria morrer e não poderia fazer nada. Não adianta mais sentir. Não adianta compartilhar mais a minha dor. Eu queria me esconder. Eu já estava morta mesmo. Ninguém mudaria meu destino. Nem eu, e muito menos o tempo.
"Tic-tac", escutei, quando os homens pegaram meus braços e começaram a me arrastar. O menino olhou para mim. Seus olhos castanhos pediam socorro por mim. Seu coração errava e adiantava batidas. Os segundos do relógio não passavam com rapidez. O coração dele era o único som dos meus ouvidos. Câmera lenta. O tempo parou para me ver sofrer. E eu o odeio por isso. É tudo culpa do tempo. Sempre será.
Era questão de escolha. Estávamos conversando por horas. Ele era meu melhor amigo naquele momento, e seria para todo o sempre. Merecia saber que eu era robô? Merecia saber que eu tinha sentimentos? Não importava mais. Quando vi, minha boca já se movia para lhe contar. O menino prometeu. Prometeu que não contaria a ninguém. Infelizmente, o tempo quis que os homens chegasse na hora em que contei para o garoto o que podia me levar a morte. Medo. Raiva. Eu precisava sair dali. Proteger-me do tempo. Este nunca gostou de mim. Nunca me ajudou. O tempo só pensa nas pessoas que ele escolhe pra ser seu aliado. Eu não era uma dessas pessoas.
"Tic-tac", o relógio fez, avisando que minha hora estava chegando. Não tinha mais chance para sobreviver. Os homens iam desligar-me e desfazer minhas peças. Venderiam e ganhariam dinheiro para montar um novo robô. Um robô que não tivesse defeitos como eu. Um robô sem sentimentos. Meus fios se contorciam, e algo pulsava dentro de mim. Pulsação triste. Um trauma que me perseguria para todo o sempre. Mesmo morta, eu iria sentir a dor. A dor de não ter mais tempo. E era tudo culpa do tempo.
"Tic-tac", o relógio fez, quando meus olhos se fecharam e eu deixei tudo para trás.
Lalah *-*
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Tempo
Short Story"E dói. Dói saber que não tenho mais tempo." "Eu precisava sair dali. Proteger-me do tempo. Este nunca gostou de mim. Nunca me ajudou." 6 de maio de 2017. © BatatinhasEscritoras