Sangue, marionetes e Gucci

26 0 0
                                    

Zona Sul, a terra dos cartões postais do Rio. 

Ninguém imagina becos fétidos, favelas sem saneamento ou vampiros aproveitadores de garotinhos quase inocentes perambulando em plena Av.Vieira Souto ou Lobo Júnior – tudo bem, essa última não conta.

Somente lindas mulatas de biquíni e paisagens estonteantes de todas as formas imagináveis do Pão de Açúcar nos cartões. Melhor assim. 

Só Van Helsing visitaria um país atrás de vampiro.

Ipanema é um ótimo lugar para se praticar esportes, observar as ondas quebrando ao longe, sentir o adorável perfume de maresia, tão próprio daquelas terras tupiniquins. Ah, é ótimo também para achar promissores talentos que arrasariam nas próximas temporadas de desfiles de moda em Milão, Tóquio ou Paris. Era o que Stuart fazia, e fazia bem. Não era à toa que possuía uma das mais conceituadas agências de modelos do Brasil, quiçá do mundo. Tinha olhos ávidos como de uma lince sombria para observar garotos com aptidão – que talvez até eles mesmos não imaginassem possuir – para o mercado da Moda. 

Sim, só trabalhava com homens, ou melhor, rapazes – os quais só possuíam padrão suficiente para serem lançados após servirem seu sangue. Não era preciso ser um grande observador pra perceber que aquele homem comprido e extravagante era homossexual.

Não é questão de preconceito, caro leitor... ok, pode ser.

De qualquer forma não fazia muito esforço para não demonstrar os trejeitos. E óbvio, fazia isso à noite. Porque Stuart claro, era um vampiro. E claro que vampiros trabalham durante a noite. Mas não era por crendice como boa parte de seus irmãos de imortalidade: recusava-se a parar no tempo, com tradições desnecessárias. Sabia bem que podia lidar com o dia claro, desde que se protegesse dos raios, no entanto... era inegável a falta de regras que a noite possuía e seduzia ele e tantos outros “sanguessugas”. 

Resumindo, era um “vampiro antenado”.

A noite é devassa, corrupta. E vampiros que se prezem amam os vícios que somente ela pode proporcionar. Ao menos assim ele pensava.

Aquele país possuía muitos de sua “raça”, mas achava estranho o fato de adorarem pobreza. Era meio cultural aquilo. A maioria podia com seus poderes (que não eram tantos, mas o suficiente para se colocar acima dos mortais) facilmente ter uma “vida” prospera, um bairro bom para se ter uma boa casa, bom sangue para beber... no entanto, gostavam de morro, de subúrbio, samba, futebol. O pior que boa parte deles, assim como ele, vinham do velho mundo. Nascera para a eternidade há quatro séculos atrás no que hoje é a Rússia e escolhera o Brasil há pelo menos um por questões financeiras. Era fácil demais enganar aqueles mortais idiotas. Leis praticamente não existiam no Brasil de ontem e não era diferente no atual. Arrumar jovens para agenciar não era nada difícil naquele lugar. Vários que hoje possuíam fama e grana já haviam passado por suas mãos – e colo.

Nem era tanto a grana o mais importante para Stuart, mas sim o poder, o status. Ser um vampiro já era uma vantagem sobre o restante. Não era daqueles que cuspiam no prato que comiam, que comparavam imortalidade com desilusão, melancolia ou infelicidade: pertencia ao grupo dos que amavam ser Senhores da Noite. A decadência o atraia como a luz do poste aos insetos. Humanos não passavam de diversão para noites descontraídas em seu tríplex no Arpoador. Noites regadas a sexo, sangue e drogas.

Achava “clubes de cavalheiros” meio anti-higiênicos. Não que fossem – e não eram, mas Stuart era cheio de manias. A ideia de buscar um jovem em um lugar cheio de vampiros que não reconhecia como de seu círculo era no mínimo repugnante.

Não tinha vergonha de ser preconceituoso. Alguns vampiros simplesmente não mereciam alcunha de imortais.

E naquela morna noite de maio o senhor pouco suspeito – embora extravagante – de cabelos compridos e muito lisos, como um mar de ondas calmas e aloiradas que pairavam sobre uma camisa de linho branca de mangas longas observava, sem muito entusiasmo o lento ir e vir dos moradores de Ipanema no calçadão. A maioria parecia praticar atividade física, talvez pela falta de tempo durante a manhã, em suas rotinas atribuladas. Sentara em um quiosque que costumava tocar bossa – coisa rara por ali. Pedia sempre um copo de caipirinha, só para disfarçar, já que pegava mal para as normas formais assentar-se em um estabelecimento sem ao menos consumir algo. Não, a cultura local não o fizera perder suaclasse.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Mar 12, 2014 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Sangue, marionetes e GucciOnde histórias criam vida. Descubra agora