É entediante como a humanidade consegue ser tão previsível, mesmo se eu não tivesse essa minha habilidade de saber o que vai acontecer dez segundos a frente no futuro. E é entediante saber o que as pessoas vão dizer, antes mesmo de elas pensarem em dizer. O pior é que elas seguem seus trilhos fixamente, como se fossem um trem em movimento. E quando alguém resolve mudar de linha, pra mim é um alívio!
Vou lhes contar como consegui essa minha habilidade.
Quando eu era mais novo, eu era o mais avançado da minha sala. Já entrei para a pré-escola sabendo ler, escrever e calcular como ninguém. Isso me causou muitos problemas, pois meus professores, ao invés de me colocar numa turma mais avançada, queriam porque queriam que eu refizesse tudo de novo, desde o be-a-bá até o 1,2,3...
Me recusei a fazer aquilo tudo por ser ridículo ter que responder quantas bananas tinham desenhadas em fila quando eu já fazia multiplicação de números grandes. Só caiu a ficha da minha capacidade quando me transferiram para a sala para alunos especiais. Por um momento achei que era uma sala com alunos muito mais avançados que eu, até ver que na verdade eram alunos com problemas de aprendizado. Mais uma vez, me colocaram na sala errada!
Lembro que uma das atividades eram várias placas recortadas que se encaixavam. De um lado havia uma figura e do outro uma letra. O objetivo era encaixar o máximo de placas possível de acordo com suas iniciais, ou seja, eu tinha que encaixar a placa "M" na placa da maçã, sendo que ambas estavam soterradas em dezenas de outras placas. Nos reunimos em roda e a professora (que falava mole de um jeito tão infantil que me deixava furioso por dentro) deu sinal para começarmos.
Metade da roda não fez uma placa sequer, apenas dois que conseguiu achar as placas em tanta informação diante deles. Apenas eu consegui, em segundos, montar todas as vinte e quatro placas restantes, como uma máquina. Desenho era imbatível. Placas de cálculo também. Naquela sala, eu era insuperável.
Você deve estar pensando que sou metido por isso. Na verdade, isso me é triste porque hoje em dia sou demitido dos empregos por ser "inteligente demais para o cargo". Se eu era um superdotado? Não, superdotados são inteligentíssimos em áreas específicas, mas eu... Não tenho tanto tempo assim.
Em um dos intervalos da escola, metade dos alunos de todas as salas se reuniram e me cercaram na rua. Me agrediram e me espancaram. Tentaram arrancar minhas roupas, na frente de todos. Me empurraram e bati a cabeça no concreto.
Ao verem sangue na minha testa, meu braço deslocado e minha cara de puro ódio, eles saíram e fui para casa. Naquela noite, não conseguia dormir de tão forte era a dor de cabeça. Naquele momento jurei, que eu iria superá-los. Que eu seria tudo aquilo que eles jamais serão. Minha inteligência seria a minha vingança.
No dia seguinte, acordei no susto. De algum modo soube que minha mãe apareceria no quarto e me acordaria com um balde de água. Saí da cama e me escondi atrás da porta. Por um momento achei que eu estava sendo paranoico, até ver a porta se abrindo com violência e minha mãe invadir o quarto com um balde.
Ao ver minha cama vazia, ela achou que eu tinha fugido de casa. Ela levou um susto quando eu apenas disse:
-Fui agredido depois da escola, tô com fome e ainda não tomei café. Estou chateado, frustrado, com vontade de demolir aquela escola com todo mundo dentro. Fui humilhado em público e só tive um único momento de paz quando eu dormi. Se vai me jogar esse balde de água, pense bem.
-Veja como fala comigo, moleque!!!
-Bom dia para a senhora também. E sim, dormi muito bem, e estou melhor que ontem, obrigado por perguntar.
Ela ia me jogar água. Aproveitei para contar quantos segundos isso aconteceria, por tanto, não me desviei e nem saí do meu trajeto até a cozinha. Passaram-se dez segundos antes de ela me molhar.
-Isso é pra você não virar as costas enquanto eu falar com você!- ela gritou. Nem me esquentei com isso, pois ela me deu uma informação valiosa. Agora posso prever tudo o que vai acontecer nos segundos seguintes.
Não havia mais prova-surpresa pra mim na escola. Nas provas do governo eu podia saber qual tema da redação seria aplicado, antes mesmo de abrir o caderno. Podia colar dos outros sem que ninguém perceba. Eu simplesmente sabia. Nunca usei minha habilidade pra isso, mas eu sabia.
Um dia peguei numa bíblia. Comecei a ler de gênesis a apocalipse, e a ideia de um Deus onisciente já não me era mais tão estranha. Comecei a frequentar a igreja, mas nunca me permiti ser aqueles hiperreligiosos porque eu sabia a diferença entre ser religioso e ser sincero. Logo, se Ele é onisciente, então devo controlar meus próprios atos e pensamentos para que eu fosse melhor do que sou. Foi aí que achei a chave. Para ser melhor que eles, eu tinha que ser melhor do que eu mesmo.
Atualmente, soube como eles estavam. Daquele grupo todo, metade havia se embrenhado no crime e a outra metade teve filhos na adolescência. Abandonaram a escola e começaram uma vida de pobreza, enquanto eu colecionava diplomas de técnico e licenciatura e partia para meu segundo bacharel, desta vez em astrofísica. E agora, escrevo minha própria biografia.
Mas eu ainda estava falando de quando entrei no ônibus, naquela tarde. Então, vamos continuar...
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Dez Segundos a Frente do Seu Tempo
Short StoryUm garoto percebe que seu despertador está três segundos adiantado. Ao regulá-lo, percebe que seu irmã vai derrubar um de seus bonecos de ação favoritos. Entende que o futuro é manipulável desde que encarado de frente. Tudo isso em três segundos a...