Rastejando em minha pele

Dia 29 de Março

Meus pensamentos ecoam na minha mente como o som do alarme de incêndio em um prédio que acaba de pegar fogo. Sei que nada disso pode se tornar algo bom e tenho certeza absoluta de que acabo de fazer algo irreversível. Minha mãe não se orgulharia disso e eu também poderia não me orgulhar, mas acho que não estou mais nem aí com isso. Já passou.

Há milhares de gotas caindo sobre a minha cabeça, deixando meu cabelo - que é bem liso - molhado, e elas estão descendo para os meus ombros que estão nus. Eu sinto um frio que vem de dentro para fora, e nada neste mundo poderia esquentar meu interior. Sinto que estou morrendo, sem nem ao menos ter me machucado, mesmo que exista uma grande quantidade de sangue em meu corpo. Nos meus braços e mãos principalmente.

Estou atirado ao meio da rua e minha calça está encharcada. A minha volta só há grama e uma imensidão de nada-além-de-apenas-um-horizonte. Estava na única rua que saia de Bridgetown que era feita de pedras e faziam qualquer pessoa ir andando pela grama ou terra em vez de ir pela estrada. Os carros também sentiam duramente ao passar por pedras maiores ou desproporcionais que não sabiam se era proposital ou um grande erro.

Minhas lagrimas se misturam com a chuva e se tornaria impossível qualquer outra pessoa perceber que eu estava chorando. Ao longe eu percebo uma luz surgir do pequeno caminho de pedras que formavam a estrada. Deve ser um carro ou uma caminhonete e com sorte ela passe por cima de mim.

Era na verdade um caminhão que vinha em minha direção e ele estava em uma velocidade reduzida o suficiente para que quando passasse por cima de mim eu tivesse tempo o mais que necessário para gritar e ouvir meus ossos estralarem. Talvez a dor pudesse substituir o pequeno Escaproam que estava agarrado a minha perna. Ele estava gemendo alto o suficiente para que qualquer um a cinco metros de distância pudesse escutar.

Escaproam era uma criatura de cinco a seis centímetros que estava nua, mas não possuía nenhuma genitália. Seu pequeno corpo era todo proporcional e sua cabeça uma perfeita bolinha de gude. Seus olhos não existiam no seu rosto, eram apenas duas bolinhas pretas pintadas e sua boca tinha dentes afiados e sempre me mordiam no calcanhar quando estava cansado - Mesmo que nunca sangrasse ou deixasse marca disso -, e isso incomodava muito. Ele sempre esteve comigo, mesmo que eu não pudesse vê-lo antes do dia do acidente.

Eu conseguia ver coisas que todas as outras pessoas não poderiam ver e isso me assustava. Ele não era o único que estava agarrado em mim. Havia outros um tanto quanto apáticos e alguns muito mais agressivos. A minha sorte era que todas essas coisas em mim não agiam juntas. Algumas vezes eu a via dormindo na minha pele enquanto trocava de roupa, como se estivesse grudada e quase entrando no meu peito.

Eu observava o caminhão vir na minha direção com os faróis altos e mesmo estando a doze metros ou mais de distância eu percebi que ele não fosse parar. Não tinha certeza se era por causa da chuva ou se ele estava distraído, mas eu torcia para que ele passasse por cima de mim. Então senti uma mordida. Era o Escaproam novamente e ele tinha acabado de morder meu saco que instantaneamente me fez levantar de dor. No mesmo segundo o caminhão freou com tal intensidade que consegui ver as poças de água se tornarem verdadeiros chuveiros. Ele então finalmente parou e eu pude ver o rosto do motorista assustado. Não tinha cinquenta centímetros de distância entre eu e o caminhão. Sentia o motor quente do caminhão bufar no meu rosto e essa sensação me daria problemas de saúde num futuro não muito distante.

- Que diabos você está fazendo no meio da rua, nesta chuva e durante a noite? - Disse o homem descendo do caminhão. - Você por algum acaso está... LOUCO? - Ele deu uma longa pausa até dizer a palavra "louco" como se quisesse enfatizar o fato para saber se eu estava lucido.