Taxi-boy

79 11 3
                                    

"Corpo enfadado, necessitado, desesperado e oco."

Ela cede ao grito desesperado, desejoso e louco, que pede por um pouco mais de algo que ela já não sabe o que é, mas sabe que precisa.

Precisa tanto que poderia morrer se não o tiver.

Vasculha os bolsos do paletó do marido, cheiro de amaciante, loção pós-barba e pefume doce de mulher. Um perfume que não é o dela.

Acha o dinheiro, guarda no seio palpitante e medroso.

Abdica do posto de Santa mãe do lar e se enfia na lama, escavando em terras imundas em busca de migalhas de um afeto frio, vulgar e mentiroso. Amor comprado a preço de fruta na feira.

Um quarto barato e sujo em um motel qualquer, às margens da marginal. Os sons das molas do colchão se misturam a profusão caótica dos carros, os sons das almas perdidas. Os sons dela, gemidos abafados por um pudor cheio da hipocrisia de uma puta que vai a igreja se confessar pela tarde e pela noite, faz sexo com o marido da jovenzinha puritana que rege o coral das crianças. Ela não é essa puta, mas faz sexo com alguém que não deveria.

Nua, envergonhada, culpada e cheirando a suor, ela veste as roupas de dama honesta que trouxe consigo, bem dobradas dentro da bolsa, junto ao caderno de compras e ao livreto de canções do corinho da igreja. Ela já não tem idade para sainhas de estudante ou lábios de batom cereja, mas ele vive com gosto de juventude, de febre e delírio de uma época distante e por ele, ela veste-se como se tivesse quinze anos, porque ele faz ela querer ter quinze anos. As roupas que poderiam ser da filha, se ela tivesse uma, são guardadas e as saias tubinho apertam demais na cintura, quase sufocando a alma. O disfarce mata a juventude e ela não tem quinze anos, tem quarenta e cinco.

Uma dama da alta sociedade, educada em escola de freiras, casou-se virgem e amou o marido o quanto pôde. Amou tanto que dormiu insatisfeita por quase trinta anos, vazia e frígida como um corpo morto, mas estava viva e ainda tinha sonhos de menina apesar dos fios grisalhos que ela esconde bem com tintura e eloquência.

Viveu morta por tempo demais.

Ela queria mais e por isso suja as unhas de senhora honrada num lamaçal de desejo mórbido. Ela deleita-se da degradação enquanto transa com um moleque duas décadas mais novo que ela, duas vidas mais jovem que o marido bem sucedido, bom pai de família, que está traindo-a com ninfetas de dezessete anos. Não é vingança, é justiça.

"Corpo jovem, alma vil. Pele cor de sol, alma cor de chumbo."

Ele vive da solidão e da carência delas. Tolas febris que se prendem a ele como o náufrago à tábua. Tão desesperadas por algo que lhes encha a vida vazia que mal vêem que ele as está afundando mais.

"Posso te ligar depois?" Ela podia e iria, mesmo se ele dissesse que não.

"Tanto faz." a voz dele é quase nada, sem desejo, sem vontade, sem nem uma fagulha de piedade daquela alma perdida que suplica por ele. Acende mais um cigarro e vai até a janela.

Dorso nu, pele bronzeada do sol de Copacabana. Dezoito anos, duas vidas. Estudante de Medicina à tarde, quer curar corpos feridos, será voluntário um dia, indulgência para que Deus o perdoe pelo o que ele faz a noite, curando todas essas vidas quebradas, remendando egos partidos, alimentando almas carentes de paixão e então, pela manhã, ele as quebra de novo, para que voltem e se curem e se quebrem de novo, até que ele seja Doutor e não precise mais disso e então elas podem morrer pela abstinência, ele não se importa.

"Então eu ligo quando puder." Ela afirma e ele não lhe dá atenção.

"Deixe o dinheiro e vá embora por favor"  ele pede.

Ela soluça, resignada, ferida, magoada. Diz adeus e deixa a porta aberta, esperançosa de que ele talvez volte atrás, corra até ela e lhe faça juras de um amor inexistente, irresponsável, mas que ela espera como se isso fosse lhe salvar. Ele não pode salvar ninguém, ele não é feito de madeira é feito de chumbo, ele afunda.

Garoto de AluguelOnde histórias criam vida. Descubra agora