Enquanto caminhava, lembranças desagradáveis lhe ressoavam aos ouvidos, momentos a dois, calor humano de um casal apaixonado. Sua bota ia e vinha ao chão, a cada paço, a água em volta de seus pés se desprendia do chão e retornava, assim que ele os retirava e seguia mais a frente.
Quando chegou em casa finalmente, completamente encharcado, se despiu jogou tudo o que estava vestindo no chão e tomou um banho quente.
Talvez a rapidez do banho não desse tempo para que ele pegasse algum resfriado posterior. Se secou, nu, caminhou sobre a cerâmica de seu quarto e olhou pela janela. O mundo caia lá fora. Abriu as gavetas olhou e revirou tudo o que ele se lembrava de haver sobre os dois naquela casa, fotos amassadas bilhetes e uma página de recados de geladeira, rasgou bem as fotos, embolou-as no papel e jogou pela janela o mais forte que pode.
No segundo andar da quitinete alugada a três meses o bolo redondo de celulose caia na enxurrada suja e marrom e sumiu. Por um momento ele ficou feliz pela facilidade de se livrar das lembranças físicas que tinha dela. As lembranças por dentro, demorariam mais para irem água a diante, mas naquele momento ele só olhava para a água que descia e descia. Ficou feliz por saber que agora era um deus.
Olhando pela fresta da janela, um desastre que não era mais seu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Pela fresta
Short StoryUma pequena coletânea de textos, pequenos contos ou crônicas, atualizada aos poucos. todos os textos são independentes um do outro, não havendo continuidade, a menos que seja indicado