Luacano era uma pequena vila e município no leste de Angola, fazendo parte da província do Moxico, a maior província de Angola, que tinha como capital a cidade do Luso, onde se encontravam maior parte das conveniências, tal como o Hospital, até aos locais de lazer como o cinema.
Uma extensa e larga avenida compunha o centro desta pacata vila no leste longínquo de Angola, avenida essa de terra batida, com árvores típicas no centro e habitações em ambas as bermas da estrada. Numa das extremidades da avenida encontrava-se o quartel do exército, casa para a Companhia de Caçadores 2545, que ostentava orgulhosamente "Força de Vontade" como o seu lema e um elefante como símbolo. Esse seria o local onde Zé Nando e o resto da companhia passariam meses a fio, marcando a presença Portuguesa naquele isolado local. O aquartelamento não era o mais cómodo, muito menos o mais luxuoso, mas era um local onde se podia viver, sendo que estas instalações dispunham de tudo o que era fulcral e indispensável num quartel naquele tempo. Havia a cantina, que não só servia para alimentar todos os soldados, como também era usada para servir as populações nativas e colonos que habitavam aquela povoação. Não faltava o forno para fazer o pão, nem uma carreira de tiro para praticar o disparo, assim era aquele aquartelamento.
José Fernando sentia-se desorientado, havia adormecido a meio de uma paisagem de savana e agora encontrava-se a olhar para a estação da Vila de Luacano, os seus irmãos d'armas já estavam levantados e formavam uma fila no corredor da carruagem, caminhando compassadamente para a saída do transporte. Ao aperceber-se disto, Zé Nando levantou-se e adentrou a fila no centro da carruagem. Olhando para os lados, Zé questionava porque caralhos não tinha falado com ninguém durante a viagem e perguntava porque é que ninguém havia falado desde que tinha chegado a Angola. "Incompetência do autor desta história", pensou, "Deve achar que é escritor ou o caralho, nem sabe enriquecer a história com um simples diálogo ou com a porra da introdução de uma nova personagem que poderá a vir ser relevante no futuro, este gajo é um idiota". Mas logo parou os seus pensamentos quando ouviu uma voz alta em tom autoritário bramar:
-Toca a formar! Duas filas, já!
Com pressa, olhou para os lados e orientou-se, formando a fila e colocando-se em posição de sentido em direção ao lado de onde tinha ouvido a voz. Logo reparou quem tinha dado tal ordem, um homem vigoroso e com ar viril mantinha-se na sua posição a olhar para a fila recém-formada, ostentando a patente de capitão nos dois ombros e com o uniforme de Oficial, acompanhado com uma boina vermelha e uns óculos Ray-ban todos à maneira, este indivíduo inspirava respeito a todos com quem se cruzava. O seu queixo estava ligeiramente para a frente, dando-lhe um ar carrancudo e aquela cara de mau de quem tem a mania. Todavia, no caso, não era só mania, este homem havia visto coisas que ninguém, mas ninguém merece ver. Os anos que tinha passado neste hostil local tinham moldado esta sua forma implacável.-Não tenho tempo para merdas, bla bla, não sejam uns conas, vamos lá render os outros piolhos que estão aqui há meses, venham lá oh checas! - disse o Capitão com um ar de poucos amigos. Zé Nando sabia que "Checa" era o termo utilizado pelos que lá estavam para designar os recém-chegados a este conflito que já se arrastava por nove anos.
Curiosamente, todos os elementos entenderam as ordens do Oficial e procederam para render a companhia que havia acabado de cumprir a sua comissão de dois duros anos nestas terras de além-mar. José já sabia como isto se dava, estes procedimentos já não eram novidade para ele, que tinha saído da metrópole com o treino militar básico. Após a renda do primeiro contingente, foram atribuídas as espingardas automáticas a cada soldado, e Zé Nando estava orgulhoso por finalmente ter em suas mãos o seu anjo da guarda, a sua companheira, aquela que o acompanharia durante todo o tempo que estava por vir. A arma que tinha agora em suas mãos era a Espingarda Automática Gewher 3, de origem Alemão e produzida em Portugal sobre a licença adquirida no início do conflito no Ultramar, sendo uma arma fiável, encravando poucas vezes, tendo uma manutenção não muito complexa e raramente tento problemas devido às impurezas do ambiente. Esta era a arma perfeita para o combate, ou pelo menos, a arma favorita de Zé Nando, que gostava da sua maneira de funcionar e do seu coice violento. Para ele, esta arma simbolizava a presença Portuguesa em África e era um ícone daqueles que lá combatiam. Foi naquele momento que jurou jamais se esquecer daquela sua ferramenta bélica. Estava tão focado a apreciar o seu novo utensílio, que não reparou no fulano que se havia aproximado pela sua retaguarda e o interrompeu, dizendo da maneira mais javarda possível:
-'Tão pá? Gostastes da tua nova namorada? - riu-se toscamente que nem um porco - É uma bela arma, não achas? Uma boa companheira... Pena não fazer outras coisas - riu-se outra vez, mas desta vez de uma forma mais tarada e perturbadora.
Zé Nando olhava para ele com cara de parvo, sem reagir, sem proferir uma única palavra. Um silêncio constrangedor instalou-se entre a conversa, até que o asno voltou a falar:
-Meu nome é Ulisses! Ulisses da Silva e Coelho Félix, prazer! Tu realmente tens um bigode impecável, gostei muito!
-José Fernando Almeida de Silveira, prazer, acho eu... E tu tens uma bela... Maneira de estar, sim, uma bela e arrojada maneira de estar. E acerca da espingarda, sim, gostei bastante, é a minha menina. - disse Zé com uma voz claramente desconfiada e introvertida.
-Ah, mas então tu falas! Afinal a gente pode conversar um bocadinho. Olha só... Diz-me lá tu, donde é que tu és? Eu cá sou de Viseu, terra bonita, terra formosa, gosto muito. Quer dizer, não sou mesmo da cidade... Sou de Mouraz! É lá perto, pronto, é mais Tondela... Mas tu entendes, deves ser um homem inteligente, cheiras bem e tudo!
-Devo admitir que estou encantado com a tua introdução, tu também tens uns odores exóticos, deixa-me que te diga. Enfim, eu sou do Porto, não sendo também da cidade, mas sou Louredo, que fica em Paredes, não deves conhecer, mas é um bom lugar, de boa gente e bons costumes!
-Pois, eu cá imagino. E olha também... - Ulisses não teve oportunidade de acabar a sua frase mal formulada, o som de um trompete rompia pelo local. Como um bom soldado, Zé Nando identificou a melodia e apercebeu-se que era o toque da retirada, estava na hora de dormir. Apesar de ter ficado surpreendido com a passagem repentina do tempo, José apenas pensou que em Angola certas merdas seriam diferentes, e acabou por não estranhar e recolher imediatamente para o quartel. Na sua camarata, partilhada com mais umas dúzias de camaratas, encontrou a cama já feita e um cacifo, onde prosseguiu para arrumar as coisas que lhe pertenciam. Rapidamente se deitou na cama, fitou o beliche de cima, fechou os olhos e esperou que o sono fizesse o seu trabalho.
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Crónicas do Lago Dilolo - Angola é Portugal
RandomAs crónicas de Zé Fernando, conhecido como Zé Nando pelos amigos. Soldado Português mobilizado em Angola em 1969, em Luacano, perto do Lago Dilolo. Lá descobrirá que, enquanto houver Portugueses, Angola será sempre Portugal. Passando de um burro, pa...