UM

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Vou ser sincera, não faço ideia de como começar com isso.

Essa foi a forma que encontrei para tentar explicar algo que, qualquer um em sã consciência, vai duvidar, e até aqueles totalmente desajustados vão duvidar também... Eu duvidaria. Mas, não, isso não importa agora. Faz parte do trato. Eu comecei isso, agora preciso concluir a minha parte no acordo.

Acredito que o ponto inicial deste relato é o fato de que eu nunca acreditei em divindades. Pra mim, os humanos sempre foram unica e exclusivamente responsáveis por seus atos. Sejam bons ou sejam ruins. Saber logo de início talvez seja interessante para já deixar claro que meu objetivo com essa publicação está longe de ser religioso ou com intuito de criar algum tipo de seita. Mas acho também que vai ser difícil de não parecer que seja por isso que estou escrevendo tal texto...

Bom, como eu não sei "não parecer uma charlatona", vou direto ao ponto e descreverei os acontecimentos que me levaram até aqui de modo objetivo e sem enfeitar com viagens poéticas ou filosóficas.

Já sou formada em um curso superior, portanto, meus dias são resumidos em ir de casa ao trabalho e do trabalho para casa. A minha vida mudou por completo justamente em um final de semana de folga.

Sábado a tarde, após finalmente concluir a faxina de sempre, percebi que não tinha nada programado para aquela noite. Eu moro sozinha e, sinceramente, ficar sozinha nunca foi problema pra mim. Na verdade, eu até prefiro ficar com a minha própria companhia em casa do que forçar uma socialização que sempre acaba em gastos desnecessários e acompanhar as curtidas que as fotos irião receber quando estiver indo pro serviço na semana seguinte.

Então, peguei várias besteiras para comer e me ajustei confortavelmente no acento em frente ao monitor do meu antigo, mas ainda funcional computador.

Já estava começando a anoitecer. O local onde eu moro é uma amostra grátis diária de todas as estações do ano. Por isso também já preparei o cobertor e deixei ele ao meu alcance.

Geralmente, em dias de "fazer vários nadas", fico perambulando pela internet. Começando com temas atuais e horas depois sempre acabo me encontrando vendo coisas tipo " 37 teorias malucas em filmes e jogos " ou "aprenda 5 coisas para fazer com clipes de papel". Naquele final de semana não seria diferente. Pelo menos esse era o meu plano.

Depois de me atualizar sobre as noticiais da semana e continuar surpresa com o como o meu país parece um seriado político, repleto de reviravoltas e com os "vilões" sempre se dando bem para que a série continue dando audiência, decidi ir assistir algo para me distrair um pouco.

Entrei com a minha conta em um serviço de streaming de filmes, que não vou falar o nome aqui, por conta do merchandising, mas sei que você sabe qual é e, fiz o que todos fazem: fiquei bastante tempo tentando escolher algo para assistir.

Na maioria das vezes, minhas escolhas se resumem a: filmes que nunca assisti ou então filmes tão bons que mereciam ser vistos novamente. Escolhi a segunda opção. A nostalgia da noite séria o clássico "O Sexto Sentido".

Infelizmente, não encontrei o que eu procurava. Agora que estou escrevendo, percebo que tudo seria diferente se o Bruce Willys tivesse aparecido naquela busca. Entretanto, apareceu um título que nunca antes eu tinha visto ali. Na verdade, era uma categoria inteira com apenas esse filme presente. Algo muito difícil de acontecer, pois todas as categorias tem, geralmente, mais de setenta sugestões cada uma.

O nome do tal filme era "Amostra Netflix IV".

Meu plano de não citar o nome do serviço de streaming foi por água a baixo.

De primeiro momento achei que era uma falha na internet, que não carregou direito a página. Mas, todo o site estava normal. Até mesmo as prévias carregavam normalmente e, pelo WiFi, continuava chegando mais e mais mensagens que eu nunca lia dos grupos do whatsapp.

Pousei o mouse em cima do titulo, a miniatura era apenas o logotipo da Netflix, e cliquei na opção "Mais informações".

O elenco era formado apenas por "Ator e Atriz", nada além disso. Na descrição tinha apenas uns termos técnicos aparentemente era referência aos equipamentos usados.

De alguma forma, eu sabia que tinha algo de estranho naquilo tudo. Mas, claro, eu tinha que ver o que era.

O filme começou com uma fonte, jorrando água normalmente e focado nisso. Segundos depois, aparece na legenda "Não existe choro no baseball!". É, eu também não entendi isso. Continuando, depois disso, uma mão começa a brincar com a água da fonte, em seguida aparece um homem dançando moonwalk segurando um notebook, fazendo malabarismo e até recitando Shakespeare.

Por mais bizarro que tenha sido, continuei assistindo, intrigada e curiosa demais para parar. Iniciou um som de estalo, aparentemente vindo da câmera. Enquanto eu observava tamanha confusão, pensei comigo mesma: se esse é o sexto vídeo, será que existem outros?

Apertei ESC, voltei para a barra de busca e, dessa vez, pesquisei apenas por "Netflix". Conforme eu tinha esperado, uma lista com vários volumes apareceu na categoria.

Comecei a ver um por um. Todos pareciam semelhantes, apenas com uma numeração diferente. Até que cheguei ao nono filme, o IV.

Começou exatamente como todos os outros. Mas dessa vez, não sei explicar o motivo, mas uma onda de calafrios percorreu meu corpo por completo. Aquela famosa sensação de "algo errado não esta certo aqui".

Quando chegou na parte do estalo da câmera, de alguma forma, o som parecia "real" demais. Como se estivesse vindo do meu quarto. Fiquei em choque e completamente travada na cadeira. Alguns segundos depois, a imagem corta e o som para. Sobra apenas um silêncio total. Não apenas no filme, mas silêncio de todos os sons. Lembro que até o barulho da CPU, que mais parece uma turbina de avião ligada, ficou inaudível.

Como se não bastasse, do nada, surgiu um círculo branco na tela, acompanhado de um ruído agudo insuportavelmente alto. O circulo piscava e o som acompanhava seus aparecimentos.

Por fim, a tela ficou com estática, como num canal mal sintonizado e o vídeo acabou, retornando para a tela de pesquisa.

Quando finalmente tudo terminou, eu estava com aquela cara de HÃN?! Nada daquilo fazia algum sentido, e as coisas que aconteceram depois disso faziam muito menos.

Decidi levantar e ir pegar o cobertor que tinha deixado pronto logo ao lado da mesa do computador. Foi então que percebi que algo na janela do quarto estava estranho. Muito, muito estranho.

Abri a cortina para observar melhor e, para o meu espanto, o sol estava forte e sua luz inundou o quarto todo. Ok, isso não é algo tão estranho, certo? Afinal, é apenas o dia dando o ar de sua graça. Mas o que me espantou foi o fato de que a poucos minutos atrás era quase noite. Ou seja, de alguma forma, de algum jeito, a minha transição de sabado pra domingo evaporou. Sumiu.

Minha primeira reação lógica foi ir direto para a tela do computador, procurando o relógio virtual que, para piorar minha situação, marcava três horas da tarde. Eu não conseguia acreditar. Não me lembrava de ter bebido algo que me causasse tamanha amnésia, muito pelo contrário, nada no dia anterior justificava tal perca de quase 24 horas!

Olhei novamente para o monitor e vi o tempo de duração do vídeo. O tempo de duração era de poucos minutos, apenas isso. Seria possível que eu tenha ficado assistindo aquilo em loop? Por quase um dia inteiro? Era demais para eu acreditar.

Fechei o navegador e, quando já estava quase desligando o computador, percebi aquilo que, agora que escrevo, queria não ter percebido. Queria ter apenas desligado a maquina e, hoje, quem sabe, estar rindo de ter perdido uma folga inteira em casa sem me lembrar do motivo. Mas eu vi aquilo, e é aqui que a historia fica insana.

Sou uma pessoa organizada, pelo menos virtualmente. Na área de trabalho do PC sempre mative apenas o necessário: lixeira, meu computador, pasta para arquivos importantes, navegador e o papel de parece com cores solidas. Entretanto, naquele domingo, tinha algo além disso, posicionado bem no centro do desktop

Três arquivos de Bloco de Notas.

Da esquerda para a direita, estavam alinhados, respectivamente, desta forma:

Leia-me.txt
Publique-me.txt
Escreva-me.txt

Não preciso dizer o quão assustada eu estava naquele momento, certo? Imagine você não se lembrar do que aconteceu nas ultimas quase vinte e quatro horas e encontrar tais arquivos bem na sua frente. Minha primeira teoria foi de que, de alguma forma, fosse algum tipo de brincadeira de mal gosto. Comecei vasculhar mentalmente meus contatos, mas não encontrei nenhum que possivelmente tivesse condições e habilidades para algo tão elaborado.

Minha segunda reação foi dar um clique direito sobre o primeiro arquivo e ir em Propriedades. Queria ver a data de criação do arquivo e, para o meu espanto, marcava como três da manhã de domingo. Repeti o processo nos outros dois arquivos e a mesma data e horário se repetiram. Exatamente 3h00 AM.

Como eu disse lá em cima, nunca fui alguém religiosa. Mas, isso não significa que eu não sabia de algumas coisas sobre esses assuntos. Talvez tenha sido em algum documentário que vi alguém dizendo que o horário com maior pico de atividade paranormal é as três da manhã. Essa memória veio como um tiro direto na minha mente naquele momento.

Para piorar tudo, o meu celular toca.

Parece tão clichê que até fica engraçado agora que passou, mas naquela hora, eu nunca desejei tanto que o ringtone da música Sweet Dreams parasse de tocar.

Mas não parou.

Quando tive coragem de chegar perto do aparelho, vi no display a informação: "Recebendo chamada de Lily".

Finalmente algum alívio naquela sequência assustadora. Lily é praticamente como uma irmã mais velha pra mim. Somos amigas desde sempre e, por mais rebelde e gênio forte que ela seja, sempre pude contar com ela.

- L-L-Lily?

- SUA MALUCA! PORQUE DEMOROU TANTO PRA ATENDER?!

- Calma, calma... Se eu te contar o que aconteceu, você não iria acreditar...

- Ah não... - Disse a Lily, com um tom de apreensão e angustia na voz.

- Hmm? "Ah não" o quê? - Questionei, confusa.

- Esse era o sinal que você me disse pra obedecer.

- Quê?! Que sinal?! Eu disse pra você obedecer o quê?!

- Se isso for uma brincadeira de mal gosto, pode parar... É SÉRIO! - Gritou Lily do outro lado da linha, agora perceptivelmente alterada.

- Mas... Mas como assim?! Ah... Já sei, foi você quem me dopou de ontem pra hoje né? Muito, muito engraçado...

- Dopar? Porra! Você realmente não vai admitir né?

- ADMITIR O QUÊ LILY?!

Lily dá um longo suspiro e responde:

- Você chego lá em casa hoje de madrugada, toda esquisita, me chamou no portão e falou "Lily, amanhã me ligue as três da tarde. Se eu demorar para atender e responder que você não iria acreditar no motivo, então meu plano deu certo..."

Meus joelhos bateram no chão e eu quase larguei o celular. Eu não me lembrava de ter saido de casa, muito menos de madrugada, muito menos de ter dito essas coisas pra ela.

- P*ta que pariu Lily...- Foi a única reação que consegui emitir.

- Calma ai mocinha, ainda tem mais. Eu estava morrendo de sono, mas você estava tão estranha que me deixou bem acordada. Depois de falar essas coisas, você virou as costas e começou a andar. Dai eu te chamei e você disse algo super esquisito, algo tipo "Não existe choro..."

- "...no baseball" - Concluí.

- Er... Era isso mesmo! Viu como você lembra! Agora me explica que pegadinha mais besta é essa meu!

- Lily... - Eu estava quase desmaiando com o tanto que a minha mente girava tentando encontrar alguma justificativa plausível - E-Eu preciso desligar.

- Quê?! NEM PENSE EM DESLIG - Encerro a ligação.

Fiquei naquela posição por uns minutos. Encarando a tela do monitor. Sentada no chão. Ouvindo apenas o barulho da CPU, da minha respiração e da minha cabeça fervendo em dúvidas.

Me levantei e conclui que, a única maneira de encontrar as respostas seria ler os tais arquivos salvos na minha área de trabalho.

Seria a única forma de entender toda aquela confusão.

E, consequentemente, me despedir de mim mesma.

(Dois cliques no arquivo "Leia-me.txt")

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