Capítulo 1

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IBIZA, Espanha. Julho, 2010.

LUÍSA

O som era ensurdecedor. Entrava por meus ouvidos e fazia todos os meus neurônios que ainda não foram denegridos por essa música ruim terem vontade de pular para fora de meu cérebro e saírem correndo. Eu não sei em qual parte do longo monologo de minha melhor amiga aceitei fazer essa loucura, mas aqui estávamos: em Ibiza, cercadas por música ruim, bebida cara e homens nos olhando como se fossemos algo comestível. Sim, isso tudo é possível.

Confesso que esse não é meu habitat natural, pelo contrário, meu habitat consiste em silêncio, horas de estudo e uma xícara de café forte no lugar de vodka e deve ser por isso que estou rotulando Ibiza como horrível e não o paraíso das orgias como dizem por aí, mas qual é, encontro-me enjoada, com dor de cabeça e não consigo respirar direito. Não consigo respirar porque a) Angelina, minha melhor amiga, está me obrigando a ficar no meio da pista de dança, a qual não cabe nem mais uma agulha e b) forçou-me a caber em um vestido dois números menores que o meu. "É seu aniversário de duas décadas, precisamos comemorar com estilo!" A filha da mãe é uma manipuladora egocêntrica.

Conheço Angelina desde meus seis anos, quando me mudei de Madrid para Londres por causa do trabalho de meu pai. Ele era um advogado conceituado na época e tinha sido convidado por um amigo para "administrar papeis importantes". Não lembro muito bem de nossa mudança, apenas de Angelina, uma menininha magricela e baixinha na época, que correu em minha direção e perguntou se eu queria ajuda para arrumar meu quarto novo e se eu gostava de bonecas ou chá. "Ei, como você não tem hora do chá com suas bonecas? Em que mundo você vive?" Lembro muito bem de ter respondido "Madrid, você não conhece?" em meu inglês falho de criança espanhola de seis anos. Ah, em 1996 era tão fácil fazer amizades.

Foi difícil no começo, afinal era um país diferente e eu nunca tinha ouvido tantas pessoas falando em inglês em toda minha vida, mas minha idade tornava tudo menos complexo. Eu era um camaleão e só precisava me camuflar, o que aconteceu muito rápido graças a Angelina.

De lá para cá várias coisas aconteceram e muitos degraus na escada da amizade foram alcançados. Angelina fez parte de toda minha transição de infância para adolescência, parte de minhas novas experiências e descobertas, mesmo que nossos temperamentos fossem opostos. Era como se nos completássemos e defino esse o motivo de nossa amizade ter dado certo. Coisas iguais são entediantes e sobre tédio eu entendo muito bem. O que nos leva a Ibiza, catorze anos depois daquela cena de duas garotinhas e uma Angelina e Luísa maiores, óbvio. Então eis a comprovação de nossas diferenças: se tédio era uma palavra repetida em meu dicionário, no de Angelina ela sequer existia.

"Ei, Ange!" Toco seu cotovelo e me aproximo de sua orelha para falar. Angelina estava toda suada e completamente envolvida por Like A G6 que apenas balança a cabeça e sorri, sem parar sua completa atenção na letra da música. Ela deve realmente estar fly like a G6, o que só confirma minha hipótese de maconha no banheiro feminino.

Antes que eu possa suplicar mais um pouco para voltar ao hotel, sinto algo vibrar em meus peitos. Levo tanto tempo para recordar que meu celular está escondido no sutiã que quem está me ligando desiste. Positivo, já que é meu pai e eu não aguento mais explicar que volto a tempo de minha festa chata de família no domingo. Meu aniversário é no domingo, legalmente ainda tenho 19 anos pois hoje é sexta, mas pelo amor de Cristo, quem comemora 20 anos em uma festa de família onde suas tias só bebem e apertam sua bochecha?

"Vou até o bar" Digo para uma Angelina chapada, agora imóvel em meio a pista de dança. Se ela continuar desse jeito logo, logo vai ser esmagada por alguém. Wait and see.

Love is not for everyoneOnde histórias criam vida. Descubra agora