Cavalga a noite, percorrendo as matas no lombo de seu porco quando ouve um ruído. São vozes humanas conversando animadamente e ele resolve investigar mais de perto. Como uma sombra move-se entre os homens sem que estes o notem.
Entende perfeitamente a língua estranha que falam, mesmo sem nunca a ter escutado antes e percebe que não é nada que mereça sua atenção. Apenas um grupo de holandeses ambiciosos em busca de esmeraldas.
Retira-se tão silenciosamente como chegou e neste momento, algo inesperado acontece:
Um dos homens do grupo se levanta e sob o pretexto de urinar e se embrenha na floresta e este é um vampiro também, logo começa a seguir Saturno a toda velocidade que pode. O vampiro índio pressente que está sendo seguido e para de repente enquanto o outro se aproxima
Os dois se encararam por um bom tempo antes de qualquer um falar, sendo que a o inicia o diálogo.
- QUEM É VOCÊ? - grita Saturno.O homem não responde se aproxima alguns passos do índio, com a espada ao alcance das mãos. Ele é alto e loiro e sua barba, comprida.
- À que clã você pertence? - pergunta o europeu.
- Suas palavras são estranhas... Não pertenço a ninguém, sou uma criatura da floresta! – esclarece o índio.
O loiro pondera por alguns instantes.
- Meu nome é Ivan, o Prússio. Meu mestre, Euronimous, sumiu a mais de um século nestas selvas. - diz ele.
- Não sei quem é seu mestre. Eu sou o guardião dessas matas à muitas luas e se quiser posso ajudar a encontrá-lo. - se oferece Saturno.
De comum acordo, os dois embrenharam-se na mata, sumindo no inferno verde e dos bandeirantes que acompanhavam Ivan, apenas dois voltaram vivos. Os outros morreram, consumidos pela febre dos pântanos, animais peçonhentos, carnívoros ou simplesmente de fome.
Décadas se passam, e eles ainda tentavam descobrir algo sobre o paradeiro de Euronimous, mestre do vampiro loiro mas o índio não se sente muito à vontade com essa busca, pois havia percebido a muito tempo que o mestre de Ivan, não era outro, senão o vampiro que havia assassinado e por mais que Saturno os empurrasse para pistas falsas, chegou o dia em que o inevitável aconteceu: acharam os restos de Euronimous.
As roupas ainda largadas no solo, e apesar de não haver um cadáver, no local onde o corpo se desintegrou, estranhos fungos negros crescem formando a silhueta dele. A fivela de ouro e as roupas finas não negam: era Euronimous.
- Mestre o que aconteceu com o senhor... – murmurou Ivan ajoelhado.
Saturno reconheceu o lugar e também sua faca de ferro que agora não passava de uma mancha de ferrugem.
- Quando descobrir quem fez isso... Ele perderá as tripas. – grita o Prússio.
O silencio do índio é incriminador, mas Ivan nada percebe devido ao estado de frustração que em que se encontra e após alguns meses o vampiro loiro já havia desistido de achar o culpado.
- O assassino de meu mestre já deve estar morto a essa altura. – diz ele resignado.
Euronimous carregava em seus pertences um belíssimo punhal, recolhido com reverencia pelo europeu, com o qual Saturno foi presenteado.
- Notei como você o olhou quando achamos o resto de meu Senhor! – sorri Ivan, ante o espanto do vampiro índio.
O índio nada tem nada que considere de tão grande valor, resolve então arrancar um dente de onça de seu colar e o dá de presente para seu companheiro loiro.
O Prússio fica surpreso com aquilo.
- Aceita. Isto foi quando matei uma onça com as mãos. - explica Saturno orgulhoso.
- Enquanto era mortal? E ganhou um colar de dentes? – diverte-se Ivan.
O índio não entende muito bem a fina ironia e responde com sinceridade:
- Não. Ganhei também esta marca de coragem! – diz o vampiro índio mostrando uma cicatriz na face.
- Obrigado então! – diz Ivan respeitosamente, enfiando o dente na algibeira.
E apenas meses depois Saturno, perceberia o erro que havia cometido naquele momento, pois apesar de apreciar a companhia do índio, Ivan resolve voltar à cidade, faz no mínimo setenta anos que está embrenhado na mata atlântica.
Precisa voltar à Europa para se certificar de como estão seus negócios e após conversarem muito, convence Saturno a lhe acompanhar. Mas antes quis ir até o local onde seu mestre morrera uma última vez e insiste em ir sozinho. Quando chega lá, observa bem o lugar de sepultura de seu mestre, como se quisesse guardar na memória o túmulo verde onde ele perdera a não-vida.
É quando nota algo que lhe passara despercebido da primeira vez que estivera lá: Há um dente de onça caído nas imediações de onde estivera o corpo, o dente que ganhara de Saturno, havia sido serrado ao meio e Ivan, tomado de curiosidade, pegando o pedaço sujo de limo, encaixa com o seu e para seu espanto, cada imperfeição combina terrivelmente.
Dois pedaços de uma única peça.
No começo imagina que está vendo coisas, depois tenta achar uma explicação pelo fato de terem visitado o corpo meses atrás. Talvez o dente tenha caído nesse dia, mas logo seus olhos imortais se tingem de fúria.
A peça está envelhecida demais para estar lá à tão pouco tempo e o alemão percebeu na faca enferrujada um novo significado, que apenas piora quando vê que não consegue segurar a faca tomada pela ferrugem, mas carregada ainda de sua energia abençoada pelo jesuíta José de Anchieta, entendeu afinal como seu mestre havia morrido.
Enrola a arma em um pedaço de tecido e apressa o passo, enquanto volta para o local marcado de onde partiram, tece as mais variadas teorias.
Aquele índio terá uma surpresa mortal.
Ivan tem certeza apenas de uma coisa: ele nunca chegará até a cidade!
Saturno nota que seu amigo parece aborrecido, mas supôe que seja pela visita ao mestre morto e os dois seguem caminho na escuridão absoluta, quando o vampiro prussiano lhe fez a pergunta que mais teme:
- Como você virou um vampiro?
O índio pensa até em mentir, mas teme não ser convincente.
- Bem... Na aldeia nós fazíamos trocas com os produtos dos brancos e certa noite eu fui atacado e... – gagueja Saturno pela primeira vez na vida.
Ivan para, encarando-o nos olhos e avaliando bem sua resposta.
Os dois estão a poucos metros de uma gigantesca cachoeira, o Salto de Yçu-Guatu.
- Você o matou? - pergunta o loiro friamente.
CONTINUA...
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1590 - SATURNO, A NOITE DE SUA ALMA. CONTOS DE SATURNO, O VAMPIRO
VampireSaturno, um jovem indio, tem um encontro com um vampiro ancestral chamado Euronnimous. Transformado em uma criatura da noite, continua sua não vida. Um encontro com outro de sua espécie o leva a uma situação mortal.