1590 - SATURNO, A NOITE DE SUA ALMA - Parte 2

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Cavalga a noite, percorrendo as matas no lombo de seu porco quando ouve um ruído. São vozes humanas conversando animadamente e ele resolve investigar mais de perto. Como uma sombra move-se entre os homens sem que estes o notem.

Entende perfeitamente a língua estranha que falam, mesmo sem nunca a ter escutado antes e percebe que não é nada que mereça sua atenção. Apenas um grupo de holandeses ambiciosos em busca de esmeraldas.

Retira-se tão silenciosamente como chegou e neste momento, algo inesperado acontece:

Um dos homens do grupo se levanta e sob o pretexto de urinar e se embrenha na floresta e este é um vampiro também, logo começa a seguir Saturno a toda velocidade que pode. O vampiro índio pressente que está sendo seguido e para de repente enquanto o outro se aproxima

Os dois se encararam por um bom tempo antes de qualquer um falar, sendo que a o inicia o diálogo.
- QUEM É VOCÊ? - grita Saturno.

O homem não responde se aproxima alguns passos do índio, com a espada ao alcance das mãos. Ele é alto e loiro e sua barba, comprida.

- À que clã você pertence? - pergunta o europeu.

- Suas palavras são estranhas... Não pertenço a ninguém, sou uma criatura da floresta! – esclarece o índio.

O loiro pondera por alguns instantes.

- Meu nome é Ivan, o Prússio. Meu mestre, Euronimous, sumiu a mais de um século nestas selvas. - diz ele.

- Não sei quem é seu mestre. Eu sou o guardião dessas matas à muitas luas e se quiser posso ajudar a encontrá-lo. - se oferece Saturno.

De comum acordo, os dois embrenharam-se na mata, sumindo no inferno verde e dos bandeirantes que acompanhavam Ivan, apenas dois voltaram vivos. Os outros morreram, consumidos pela febre dos pântanos, animais peçonhentos, carnívoros ou simplesmente de fome.

Décadas se passam, e eles ainda tentavam descobrir algo sobre o paradeiro de Euronimous, mestre do vampiro loiro mas o índio não se sente muito à vontade com essa busca, pois havia percebido a muito tempo que o mestre de Ivan, não era outro, senão o vampiro que havia assassinado e por mais que Saturno os empurrasse para pistas falsas, chegou o dia em que o inevitável aconteceu: acharam os restos de Euronimous.

As roupas ainda largadas no solo, e apesar de não haver um cadáver, no local onde o corpo se desintegrou, estranhos fungos negros crescem formando a silhueta dele. A fivela de ouro e as roupas finas não negam: era Euronimous.

- Mestre o que aconteceu com o senhor... – murmurou Ivan ajoelhado.

Saturno reconheceu o lugar e também sua faca de ferro que agora não passava de uma mancha de ferrugem.

- Quando descobrir quem fez isso... Ele perderá as tripas. – grita o Prússio.

O silencio do índio é incriminador, mas Ivan nada percebe devido ao estado de frustração que em que se encontra e após alguns meses o vampiro loiro já havia desistido de achar o culpado.

- O assassino de meu mestre já deve estar morto a essa altura. – diz ele resignado.

Euronimous carregava em seus pertences um belíssimo punhal, recolhido com reverencia pelo europeu, com o qual Saturno foi presenteado.

- Notei como você o olhou quando achamos o resto de meu Senhor! – sorri Ivan, ante o espanto do vampiro índio.

O índio nada tem nada que considere de tão grande valor, resolve então arrancar um dente de onça de seu colar e o dá de presente para seu companheiro loiro.

O Prússio fica surpreso com aquilo.

- Aceita. Isto foi quando matei uma onça com as mãos. - explica Saturno orgulhoso.

- Enquanto era mortal? E ganhou um colar de dentes? – diverte-se Ivan.

O índio não entende muito bem a fina ironia e responde com sinceridade:

- Não. Ganhei também esta marca de coragem! – diz o vampiro índio mostrando uma cicatriz na face.

- Obrigado então! – diz Ivan respeitosamente, enfiando o dente na algibeira.

E apenas meses depois Saturno, perceberia o erro que havia cometido naquele momento, pois apesar de apreciar a companhia do índio, Ivan resolve voltar à cidade, faz no mínimo setenta anos que está embrenhado na mata atlântica.

Precisa voltar à Europa para se certificar de como estão seus negócios e após conversarem muito, convence Saturno a lhe acompanhar. Mas antes quis ir até o local onde seu mestre morrera uma última vez e insiste em ir sozinho. Quando chega lá, observa bem o lugar de sepultura de seu mestre, como se quisesse guardar na memória o túmulo verde onde ele perdera a não-vida.

É quando nota algo que lhe passara despercebido da primeira vez que estivera lá: Há um dente de onça caído nas imediações de onde estivera o corpo, o dente que ganhara de Saturno, havia sido serrado ao meio e Ivan, tomado de curiosidade, pegando o pedaço sujo de limo, encaixa com o seu e para seu espanto, cada imperfeição combina terrivelmente.

Dois pedaços de uma única peça.

No começo imagina que está vendo coisas, depois tenta achar uma explicação pelo fato de terem visitado o corpo meses atrás. Talvez o dente tenha caído nesse dia, mas logo seus olhos imortais se tingem de fúria.

A peça está envelhecida demais para estar lá à tão pouco tempo e o alemão percebeu na faca enferrujada um novo significado, que apenas piora quando vê que não consegue segurar a faca tomada pela ferrugem, mas carregada ainda de sua energia abençoada pelo jesuíta José de Anchieta, entendeu afinal como seu mestre havia morrido.

Enrola a arma em um pedaço de tecido e apressa o passo, enquanto volta para o local marcado de onde partiram, tece as mais variadas teorias.

Aquele índio terá uma surpresa mortal.

Ivan tem certeza apenas de uma coisa: ele nunca chegará até a cidade!

Saturno nota que seu amigo parece aborrecido, mas supôe que seja pela visita ao mestre morto e os dois seguem caminho na escuridão absoluta, quando o vampiro prussiano lhe fez a pergunta que mais teme:

- Como você virou um vampiro?

O índio pensa até em mentir, mas teme não ser convincente.

- Bem... Na aldeia nós fazíamos trocas com os produtos dos brancos e certa noite eu fui atacado e... – gagueja Saturno pela primeira vez na vida.

Ivan para, encarando-o nos olhos e avaliando bem sua resposta.

Os dois estão a poucos metros de uma gigantesca cachoeira, o Salto de Yçu-Guatu.

- Você o matou? - pergunta o loiro friamente.

CONTINUA...

1590 - SATURNO, A NOITE DE SUA ALMA. CONTOS DE SATURNO, O VAMPIROWhere stories live. Discover now