MAGIRE

1- A mudança.

Se mudar nunca será uma tarefa fácil. Se despedir de seus amigos, toda a arrumação de uma casa para outra, mudar sua rotina. Bem, essa não foi minha história. Boston era um lugar bem sombrio, não passei por isso de desarrumar a casa para arrumar de novo em outro lugar, tinha poucas coisas por causa do apartamento minúsculo, minha rotina era a mesma de sempre, acordar, comer, escola, casa, estudar, tarefas, arrumar o quarto, comer, dormir, repetir. Amigos? A única que eu fiz nesses 11 anos era a garota mais popular da escola, ainda me pergunto como isso aconteceu, e ela tem dezenas de amigos e definitivamente não vai sentir minha falta.

No dia em que meu pai me disse que íamos nos mudar eu quase pulei de alegria, minha cidade era relativamente grande e eu não gostava disso, gente de mais, lugares de mais e eu não tinha ninguém pra conversar. Ashley, minha amiga popular, já tinha desistido de me chamar pra sair. Será que minha vida teria sido diferente se eu tivesse saído com ela alguma vez? Nunca saberemos. Não era meu tipo de gente, eles são mais de Royale Boston e eu sou mais de Boston Athenæum, além do mais, eu sempre fui a esquisita do colégio, sabe aquela garota dos moletons largos, cabelo sempre desgrenhado, vive com a cara pra baixo ou enfiada em algum livro com fones de ouvido? Essa era eu. A anti-social. Se sofri bullying na escola? Não mesmo, as pessoas tinham medo de mim até pra isso. Menos a Ashley, só que eu nunca entendi por que. Ela é a garota patricinha perfeita, cabelo loiro com uma progressiva por semana pra conservar o liso já natural, rosa é sua fixação pra não chamar de obsessão, herdeira da família mais rica de Boston, uma família de antigos caçadores, eles colonizaram a região Norte acima da nossa cidade, de Cambridge até Bervely e se você entender um pouco da Geografia Norte Americana vai saber que é muita coisa pra uma família só, a família Renard. Composta por Donald e Amelia Renard (muito nome de realeza britânica pro meu gosto) que comandam indiretamente a antiga sede britânica inteira, e seus filhos Ashley e Arthur Renard, que comandam as noites da capital de Massachusetts.

Voltando ao ponto principal, mudança. Meu pai, o melhor amigo de infância de Donald Renard, Julian Avery, conseguiu uma oportunidade de emprego em uma cidade que ele não quis me dizer onde é. Ele é o homem mais batalhador que conheço, desde que minha mãe morreu quando nasci ele cuida de mim e eu nunca ouvi ele reclamando, ele desistiu de seu emprego de vendedor na Aston Martin a uns dois meses pra abrir sua loja de antiguidades que tanto sonhou. Bem, ele nunca conseguiu abrir uma. O imóvel que queria comprar supostamente foi vendido por um preço maior do que ele havia oferecido e o vendedor sugeriu essa outra loja fora da nossa cidade e ele aceitou de bom grado, óbvio. Eu não podia deixar de ficar feliz por meu pai, ele sempre foi uma boa pessoa, honesta, sempre me colocou em primeiro lugar.

Arrumar as malas é a melhor parte da mudança, não tem toda a tarefa de escolher roupas e calcular o numero de dias que vai passar fora, é só enfiar tudo dentro de uma caixa de modo que caibam muitas coisas e torcer para que de certo. Mas como meus talentos pra arrumação são precários, chamei a Ashley pra me ajudar. Ela estava dobrando meus moletons em um silencio estranho, então puxei conversa:

-Então, Ashley. Por que você ta assim?

-Assim como?

-Calada, você não é assim, o que aconteceu?

-Bom, vamos ver... Hoje é sexta, vou pra Royale Boston com o pessoal, quando sair daqui vou no shopping, depois comer... Ae mesmo, minha melhor amiga vai se mudar e não ta nem aí.

-Jura que é por isso? Não é nada de mais e você não vai nem ver que eu fui embora.

-Claro que vou! Quem mais eu vou atazanar pra sair, ou pra arruma o cabelo, ou não me dar à pressão de ser a garota perfeita o tempo todo? –Ela começou a chorar e me puxou pra um abraço que eu retribuí com prazer. Até que ela ia fazer falta.