Prólogo

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Muitos a poderiam considerar uma mulher fútil, mas ninguém sabia a alegria que habitava o seu coração quando comprava um novo conjunto de roupas, joias ou peças decorativas. Tudo aquilo lhe dava um prazer maior do que alguma vez sentira com um homem na cama, pagava tudo sozinha, do seu bolso e tinha acabado com seus milhões por conta daquele vício. Nenhum dinheiro mal empregue dura para sempre, e agora em frente ao servente do café de luxo que olhava com atenção na espera para a máquina multibanco apitar em aprovação, Ruby ensaiava todas as rezas conhecidas no mundo para que seu cartão fosse aprovado.

Era a terceira vez que tentava com cartões diferentes, as pessoas a sua volta olhavam e murmuravam, enquanto ela tentava manter uma pose que não tinha mais. E tudo só piorou quando ouviu o apito negativo da máquina. O empregado de mesa a encarou, meio sem jeito. Era uma frequentadora assídua daquele local e não era a primeira vez que inventava alguma coisa para sair sem pagar. O problema é que não verificara antes numa caixa de levantamento, pois Ruby sentia o doce sabor daquele perigo, em que por algum acaso do destino o cartão era aprovado e ela poderia se regozijar de glória. Ínfima para alguns, majestosa para ela. Mas seus dias de sorte estavam terminados.

O gerente do banco vivia a telefonar sem parar, os lucros dos seus livros tinham sido confiscados por algum problema fiscal, dívidas e tantos assuntos que mal saberia enumerar. Seus bens estavam penhorados, e a fofoca não era outra na cidade.

─ Er... Deve ter algum engano. ─ Ensaiou aquelas palavras com destreza de quem estava habituada a repetir quase sempre.

─ Pode pagar em dinheiro, senhorita Angel? ─ O homem tentou ser educado como tinha aprendido em toda formação para trabalhar naquele lugar de requinte. Precisava seguir o guião, mas como todos, já sabia que Ruby Angel estava mais do que falida.

A jovem que escrevia romances de época conquistou o mundo e trouxe reconhecimento para a cidade maravilhosa do sul do país. Ela ficara rica, comprara uma mansão e ajudara em eventos de caridade. Só tinha tido um único problema, gastar sem medidas como se acreditasse que os milhões não fossem acabar. Passou de milionária a caloteira, acreditando na promessa de um segundo livro que tinha sido um fracasso e arrasado pela crítica. A Editora lhe dera outra oportunidade, mas a inspiração de Ruby tinha ficado pelo meio, e nem eles mais lhe dariam confiança. Estava completamente arruinada.

─ Vou verificar com o meu gestor. Deve ter algum engano com certeza. E nunca ando com dinheiro na carteira. ─ Usou de seu mais belo sorriso e o fechou quando percebeu que daquela vez não teria escapatória. ─ Pagarei da próxima vez que voltar. Sou cliente da casa há anos.

─ Desculpe senhorita Angel. Recebemos ordens explícitas para não aceitar pagamentos nesses termos. Todos terão de ser feitos após o pedido da conta. ─ Não se via qual dos dois estava mais constrangido.

─ Vou lhe passar um cheque. ─ Se apressou em abrir sua última bolsa de marca e procurou lá por seu livro. ─ Lamentamos. Não estamos aceitando seus... quis dizer, cheques. ─ Se atrapalhou e corou ao de leve por ter sido mais claro do que deveria.

─ Tudo bem. Vou telefonar a minha assistente. Traga outra taça de Krug Brut. ─ Tentou parecer normal, mas apenas se enterrava com aquele novo pedido. Todos sabiam que não tinha assistente mais, pois ficara a dever meses de salário e esta tinha tirado metade do seu guarda-roupas como vencimento, porque Ruby continuava a comprar sem parar, esquecendo do mundo ao redor.

─ Com licença, senhorita. ─ O servente viu-se tentado a declinar, mas não podia e foi lhe servir outra taça mesmo sem saber como ela iria se virar para pagar. Seria engraçado ver aquela mulher bela, com um vestido vermelho de veludo que chega ao meio das coxas, tinha uma gola alta e mangas cavadas. Sapatos de salto quinze, fechados e pretos. Os lábios carnudos pintados de um vermelho provocante e as joias que agora não passavam de réplicas, parada em frente de loiça suja para lavar na cozinha.

DILACERADO [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora