Dissimulação
Um sorriso. Vem formulado numa expressão facial.
Atrás dele – claro, estou falando do sorriso – muitas vezes há angústia, depressão, ansiedade, medo, raiva, desequilíbrio, indignação, sarcasmo, ironia, um "x" desafiante, desejando soltar um luxuoso e pervertido touché!
Às vezes ele contém alegria. Verdade. Ainda há sorrisos que estão aliados à alegria e felicidade. Há aqueles que se manifestam depois de uma vitória, um reencontro, após receber um bom conselho. Aqueles sorrisos suaves e límpidos depois de uma sessão de meditação ou algo do gênero. Afinal de contas, nem todo sorriso é dissimulado e se lança ao contrário de sua natureza original.
Mas tem sorriso que esconde sofrimento.
Sofrimento. A expressão do sofrimento. Nem sempre são lágrimas – que isso fique bem claro...
Atrás do sofrimento e sua expressão – pode existir exagero – mas há sempre sofrimento.
Contudo há de dar continuidade à vida.
E uma forma de dar continuidade à vida é caminhar.
Pés que caminham.
Os pés têm expressão ao caminhar? Sim. Um dia eu escreverei sobre a expressão dos pés ao caminhar. Hoje não.
Hoje vi muitos (pés caminhantes) durante o dia.
Normalmente (os pés caminhantes) têm uma referência junto com o pensamento (digamos com sinceridade que este tipo de pensamento é calibrado através de mecanismo automático – hum... acrescido de movimentos involuntários) de um ponto geográfico ao outro.
Geograficamente em 90% dos casos eles chegam quando conseguem sair. Nem sempre com exata precisão, mas chegam. Claro, eu continuo falando dos pés, porque na maioria das vezes a cabeça não chega ou demora dias, semanas, meses ou anos para chegar naquele exato ponto geográfico mencionado anteriormente. Tanto faz se é o ponto geográfico de partida ou de chegada. Ou de retorno ao ponto original.
Toquemos no tema referência dos caminhantes, caminhadas e pontos de partida e chegada. Óbvio, não se pode esquecer da referência do regresso. A noção sutil destes deslocamentos e seu pseudo conteúdo e de tudo que está entranhado nesta mobilização.
Referência emocional, talvez 30%.
Referência psicológica, talvez 10%.
Referência espiritual 1%.
Referência religiosa 1,5%.
Como a religião é sutil – com algumas regras desconcertantemente descabidas – e, tudo o que é sutil é simples e óbvio, me dou conta que cada dia mais, estamos longe daquilo que é simples e óbvio. E este óbvio está na relutante e insistente contradição em quase todas elas. Claro, a religião foi elaborada por humanos e os humanos são contraditórios. Faz parte da sua natureza.
A pressa também faz uma irritante parte do cotidiano – temos pressa acordados e... dormindo! Veja a que ponto chegamos – e como a pressa é conflitante com a religião, bem como com a espiritualidade, logo se torna claro que a sutileza humana em termos religiosos e espirituais está cada dia mais rude e bruta. Repleta de preconceitos.
Confesso que isso me dói, me machuca e dá tremor até nos meus ossos, porque a religião deveria nos impulsionar à espiritualidade, ou seja a experiência tocante, delicada e mágica de um viver melhor consigo mesmo e com os semelhantes; em respeito e dignidade com os elementos do nosso tão especial Planeta Terra.
Então, lendo textos, livros, ensaios aqui e acolá (MUITOS) me dou conta que a espiritualidade também está corrompida, virou uma fogueira de vaidade e também cheia de toxidades preconceituosas. Se a espiritualidade aponta que a religião é responsável por nos conter e murchar diante do assombro do pecado e suas rígidas regras e a espiritualidade te dá asas, ou seja te liberta, existe um ponto crítico. A espiritualidade ao nos alardear que temos asas, não nos acompanha na magia e ética destes voos.
Verdade? A religião aponta que a verdade deve ser dita e expressada a todo custo, sem moderação ou sutileza; a espiritualidade estimula descobrirmos nossa verdade interior, mas não há lucidez em nenhuma delas.
Quem acompanhará e orientará nestas descobertas destas verdades interiores? Vamos para um lado extremo e extremista. Sendo objetiva: na cabeça de um criminoso é verdade que ele tem que roubar e matar, é sua verdade intrínseca.
A religião e a espiritualidade em geral condenam medicamentos para controle de ansiedade e depressão e outros transtornos psicológicos e se esquecem de estudar e se aliar com os profissionais da área o que acontece no cérebro de uma pessoa com tais enfermidades. Além de prejuízos materiais e emocionais, elas podem cometer suicídio. É uma questão de química cerebral, não é frescura, preguiça, falta de força de vontade ou falta de controle. A questão não é assim tão simples. É uma neuroquímica complicadíssima!
Tanto a religião como a espiritualidade bem como os seres humanos esquecem que a verdade é um espelho partido em dezenas de pedaços, e que cada pedaço mostra e reflete um ângulo diferente. Para mim esta é a melhor imagem da verdade: um espelho quebrado em dezenas de partes à luz do dia e à noite à luz de velas.
O início do texto trata do sorriso e sofrimento e agora já estamos tratando de religião e espiritualidade. E além do mais o título é dissimulação.
Calma, estamos na metade do texto...
O que o sorriso, tem a ver com a religião e espiritualidade?
Observando, cheguei à conclusão que ambos estão notoriamente, dia após dia, tanto os sorrisos, religião e espiritualidade, estão perdendo sua pureza e inocência.
Esta inocência que faz com que olhemos com olhos de bondade e compreensão.
Esta inocência que nos remete a preservar nosso meio ambiente e respeitar os seres vivos.
Esta inocência e generosidade de que quando vemos uma pessoa com problemas, triste ou ansiosa onde ela tão urgentemente precisa de um abraço e não de críticas. Depois da tormenta ela precisa apenas a ser ajudada a ponderar e refletir e não ser acusada. Ela precisa de esclarecimento de como chegou onde chegou. Se é que verdadeiramente saiu de onde estava.
Esta inocência que só a verdadeira espiritualidade pode nos acolher na sua mais profunda compreensão e generosidade. Esta inocência que nos embala a alguns minutos de segurança.
Um sorriso de paz e entendimento, é o que todos precisamos. De nós para os outros e dos outros para nós. Não é uma ditadura, quando e sempre for possível, claro!
Onde estará a verdadeira espiritualidade que será capaz de nos acolher e apoiar neste mundo tão cheio de desafios?
Onde estará?
Onde?
Em um lugar eu imagino que ela não se encontra é na dissimulação.
Ou será que está?
Fiquei com dúvida e medo.
Uma taquicardia de uma maneira muito autêntica acaba de se apoderar de mim. Essa tal...
Dissimulação.
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Dissimulação
SpiritualPensamentos e reflexões sobre sorrisos, sofrimentos, verdades