PARA SEMPRE EM MIM

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Sente-se

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Sente-se. Vou contar a você uma história de Amor. E antes de chegar à parte do Amor propriamente dito, preciso tecer um breve pano de fundo pela perspectiva de um dos personagens secundários. Seu nome é João.

João tinha muitas manias. De todas elas, assobiar era a mais irritante para Clara — namorada dele e outra coadjuvante. Na verdade, deixe-me fazer aqui uma pequena observação: tais assobios só não a irritavam mais do que o fato de João ainda morar com a mãe e não demonstrar nenhuma intenção de se casar.

Para contar com exatidão, é preciso dizer que os assobios deixavam Clara enfurecida, pois quando João começava a assobiar sua melodia de sempre, não parava tão cedo. Era mais forte que ele. Nada o silenciava, nem mesmo os gritos de sua namorada, pontuando, pela milésima vez, os motivos que a tiravam do sério. E o grande agravante do problema é que, com o tempo, tudo que ele fazia passou a irritar Clara; o que não fazia, também. Não discutir, inclusive. João nunca discutia. Mantinha-se sentado diante dela, largado no sofá, com sua irreverente postura — a mesma que um dia fez Clara se apaixonar. E ele apenas ouvia, ouvia e ouvia. Depois, assobiava com as mãos enfiadas nos bolsos do jeans surrado. Então ela, por fim, partia cuspindo fogo.

Essas brigas travadas em longos e exaustivos monólogos se estenderam por anos, durante o namoro iniciado numa lanchonete, perto da faculdade, onde os dois se conheceram. A relação durou até Clara desistir de tentar. João não se importa com nada, constatou ao girar a chave na ignição certa vez, desesperada para ficar o mais longe possível do cara que a tirava do sério. Quando ele vai crescer?, era a pergunta que sempre fazia a si mesma, embora tivesse uma resposta e torcesse para estar errada. À essa altura, já não tinha mais forças para insistir. Não havia mais esperança. Ainda assim ela não negava o quanto, apesar das incompatibilidades, torcia para João ter uma vida feliz. Não ao meu lado, concluiu, mas ele ainda vai ser muito feliz! Esse era o destino desejado por Clara para todas as pessoas que conhecia.

Os dias se arrastaram e, quando João se deu conta, já não a tinha consigo fazia cinco anos. Cinco longos anos se passaram até um papel elegante com letras brilhantes anunciar o que ele sempre soube que aconteceria: sua ex foi encontrada por outro alguém (palavras minhas, não dele. João tinha outra forma de expor o fato. Deixemos registrada aqui essa versão mais polida).

— Chegou uma coisinha para você — avisou Dulce do fogão, como se o filho não tivesse visto o envelope sobre a mesa.

— É. Eu vi.

Ele se serviu de uma maçã sob o olhar enviesado da mãe.

— Não vai olhar?

João não queria olhar. Por inúmeros motivos, sendo um deles a certeza de que, no instante em que abrisse o envelope, Dulce engataria numa falação desenfreada sobre sua vida amorosa fracassada.

— Achei muito educado da parte dela te convidar. Mas nada educado não ter estendido o convite a mim — Dulce murmurou e provou se a sopa estava boa de sal.

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