Capítulo Único

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       Era uma pessoa que não sabia amar, não como se supõe ser a forma correta de amar. Depois de tantas desilusões, sonhos desfeitos e frustrações do caminho, tornou-se uma mulher amarga. Tinha um bom coração, não sabia dizer não e alguns a amavam, outros a exploravam. Era infeliz, não tinha senso de humor, carregava consigo uma grande amargura da vida. Por mais que fizesse era sempre alvo de grosserias, de piadinhas de mau gosto. Sofreu, nem sempre calada, remoendo sua dor por anos a fio.

       Quem a conheceu de perto sabia que, apesar de tudo, havia muita vontade de viver naquele corpo cansado. Queria coisas bonitas, mas tinha dó de obtê-las, queria passear, mas achava que gastar dinheiro com isso era bobagem. Gostava mesmo era de papear com as comadres e amigas, era capaz de se perder nas horas, falando da saúde de um, do comportamento de outro, do custo de vida. Pequenos momentos em que esquecia seus afazeres, obrigações tediosas que executava de forma automática.

       Não me recordo se gostava de ouvir música... Sei que adorava um programa de rádio que contava as histórias tristes de suas ouvintes. Aquilo lhe comprazia, talvez por saber que existiam pessoas que sofriam mais do que ela.

       Cuidava da casa, dos filhos, do marido... Mais tarde cuidou dos netos. Entre uma reclamação e outra, encontrava tempo para pintar o cabelo e fazer as unhas, quando não podia mais se apresentar como estava. Acordava cedo, cochilava até tarde no sofá. Assistia às novelas, dialogava com os personagens e avisava traições. Brigava, todos os dias, com aquele repórter bonitão que anunciava mais um aumento do feijão.

       Não sabia mais andar de salto alto porque se exercitara na arte de arrastar os chinelos pela casa e pela vida. Difícil vida!

       Ela nem parecia mais real, talvez se parecesse com uma personagem de alguma música do Chico, fazendo sempre tudo igual até perder o amor, amado e nem tanto amante. Que mulher pode gostar de sexo se não gosta da vida?

       Na viuvez a solidão foi sua pior companhia. Não alterou sua impaciência, sua urgência. Alterou apenas seu discurso. Se antes ele não lhe dava atenção, agora ninguém mais dava, era geral. E que falta ele lhe fazia!

       Podem acreditar no que eu estou dizendo, ela encolheu. É verdade, eu não sei se foi o peso da idade ou da tristeza, mas ela ficou tão pequena que quase sumiu. Por pouco não desaparece entre lágrimas e reclamações. Não era feliz, aliás, acredita-se que nunca tenha sido. Não há registros desse fato.

       Um dia a nuvem negra que a seguia se condensou, ficou mais espessa. Ela já não conseguia mais reclamar, calou-se. Agora não estava mais sozinha. Um fantasma se aproximou sorrateiramente e a dominou. Carcomeu seu corpo e suas perspectivas e ela passou a sonhar: com parentes que lhe davam a mão, com amigos que a mimavam... Já não havia do que se queixar, alucinava o que não pode ter e partiu, sem ter aprendido a se amar.  

A Mulher Que Não Soube AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora