Sober

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Inalo a maior quantidade de oxigênio que meus pulmões conseguem abrigar antes de soltá-lo vagarosamente buscando estabilidade para a instabilidade que é meu interior. Tamborilando as pontas dos dedos sobre o tampo de madeira, lançando mais um sorriso falso ao grupo de amigos reunidos que parecem cada vez mais animados com a quantidade de bebidas que chegam à nossa mesa.

Observo meu copo ser preenchido com o líquido âmbar enquanto a conversação e risadas cortam a música alta do local aconchegante. A loira ao meu lado toca levemente meu braço se inclinando em direção ao meu ouvido me falando algo em um tom divertido, faço um sorriso largo aparecer em meus lábios e até deixo escapar uma risada curta de minha garganta mesmo não entendendo palavra alguma que Taylor me diz.

Levo meu copo em direção à boca bebericando da bebida forte, o líquido desce queimando pela garganta. Olho para a face sorridente de cada um e paraliso sob os olhos chocolates a me observar minuciosamente, um sorriso torto formado nos lábios finos. Engulo os resquícios de álcool em minha boca ainda encarando os olhos brilhosos, a sobrancelha bem feita levemente franzida em curiosidade.

O carinho e preocupação estampado ali é sublime, a paz e tranquilidade que me passa faz com que todas as pessoas e todo o barulho à minha volta desapareça. A máscara de felicidade que uso caí diante ao olhar profundo que parece ler minha alma. O batimento do órgão dentro de meu peito tropeçando no compasso subitamente acelerado.

- Ashley chegou!

A voz histérica de Taylor em meus ouvidos faz o ato de nos encararmos cessar e logo os olhos chocolates que antes me encaravam com tanto carinho se dirige à loira passando pela porta de vidro do estabelecimento. Reconheço o brilho nos olhos e sorriso nos lábios rosados, era assim quando olhava para mim em um passado saudoso.

Ignoro a aproximação da Benson e entorno a bebida de meu copo na boca ao perceber a loira se inclinar bicando os lábios rosados. A náusea se revirando na boca de meu estômago.

- Lovato.

A simples menção de meu nome me faz olhar para a mulher ainda de pé balançando a cabeça em um breve cumprimento. Aceno educadamente arrumando formas de não olhar para os dedos entrelaçados, mas a insatisfação se apodera de meu corpo tão rápido quanto a racionalidade.

Peço licenças silenciosas para todos os presentes e me levanto com a jaqueta de couro em mãos. Me esquivo de um ou outro corpo no meio do caminho e coloco a proteção negra sobre meus ombros para evitar o frio da noite estrelada.

O burburinho das conversas e a música ambiente desaparecem assim que a porta é fechada e me vejo na calçada da rua deserta. Poucos carros estacionados no meio fio e o letreiro luminoso da loja de disco piscando em verde e vermelho. Um sorriso amargo aparece em meus lábios grossos ao ver a ironia das cores que piscam para mim.

Levo a mão direita ao bolso traseiro da jeans apertada puxando o pequeno objeto desejado. O bato na palma da mão esquerda fazendo o delicado tubo marrom deslizar para fora do maço de cigarro. Não lembro muito bem do dia em que o vício começou, mas era ele que preenchia o vazio.

O posiciono entre meus lábios, abro o isqueiro prateado revelando a chama sensual. Trago o tubo levemente fazendo a nicotina queimar com o calor contido, o cheiro de cravo e canela me chegando às narinas e o sabor adocicado grudando em minha língua. Mais um trago e dessa vez mais profundo. Fecho os olhos sentindo a fumaça correr pelo meu corpo em direção aos pulmões. Um envenenamento lento e invisível.

Prendo o delicado canudo marrom entre o dedo médio e o indicador deixando o braço cair rente ao meu corpo, solto a fumaça detida em meu corpo pelas narinas mantendo a boca fechada. O efeito tranquilizante do ato me dá o controle necessário para voltar à sobriedade.

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