O telefone se desligou com dois bipes, deixando pairar um ar enigmático.
Sim, era somente isso que acontecia. Estranho? Talvez. Mas eu não podia culpar Emille por tal consequência. Ela também se sentia mal sempre quando tinha que atender uma ligação minha, e o mesmo acontecia comigo, quando lembrava que devia ligar para ela.
Emille Clarke era uma pessoa muito próxima da minha família, os Hanson. Depois que algumas coisas imprevisíveis se passaram por nossas vidas, perdemos quase todo o contato. Era como se Emille e eu, de certo modo, não vivêssemos mais no mesmo mundo, desconectadas em parte.
Não a culpo, eu também não tinha muita vontade de conversar com ela, nem de ver seu rosto ao cruzar a rua. Emille fez parte de minha vida, não como uma amiga, mas como uma mãe. Era para ela que eu recorria quando precisava conversar, ela que sempre deu forças ao meu namoro com Gus, não por ser seu próprio filho, mas por saber que ele me amava tanto quanto eu. Eu adorava isso, e Gus também prezava relação mas agora nada fazia sentido. Emille não queria lembranças minhas, e infelizmente, eu odiava ter que pensar em uma reaproximação entre nós.
Respirei fundo, devolvendo o telefone para o gancho. Minhas mãos pareciam transpirar, e eu sentia frio.
O dia teria sido muito angustiante para nós duas, mas ainda nem tinha acabado. Eu ainda deveria analisar vários papéis antes que Penélope chegasse.
Penélope Jones era minha atual chefe, depois que larguei meu emprego na lanchonete de Mia. Após terminar meu ensino médio, comecei a cursar uma faculdade, mas tranquei logo depois que meu pai ficara desempregado. Com excesso de Álcool no corpo, Jarred Hanson, meu pai, não tinha nem condições de ir para uma entrevista de emprego. Com poucas opções, tive que largar minhas aulas extras para pagar as contas de energia. Meu pai não iria largar o vício, ele mesmo não se ajudava, e minha opinião tão pouco importava a ele. Vejo Jarred raramente quando vou visitá-lo em casa, fora isso, fico na casa de tia Mia.
Eu não devia lembrar de Jarred, no fundo eu guardava uma mágoa de suas acusações que sempre fazia quando chegava em casa completamente bêbado.
- Você não é minha filha - Dizia entre intervalos de soluços, por causa do Álcool - Você matou sua mãe Amélia. Tem ideia de como eu nunca perdoarei você?
Eu não precisava de seu perdão, se era isso que ele queria saber, mas ainda o amava, mesmo com tantas discussões. Isso era o Álcool, eu acho. Ninguém sóbrio o bastante diria isso à uma filha, tenho certeza. Jarred culpava o mundo todo pela morte de minha mãe e especialmente à mim, que quando nasci, minha mãe se fora. Mia, diversas vezes me explicava exatamente o que acontecera naquela noite.
Chovia muito quando Jarred levou mamãe para o hospital. Mia estava no banco da frente do carro com meu pai, ajudando ele a manter a calma. O que eles não esperavam era que bem a frente, uma árvore cairia e fecharia o caminho. Jarred não conseguira passar por que não era uma árvore muito pequena e tão pouco leve.
Eu nasci dentro de um carro, em meio à chuvas e rajadas de ventos.
Era um lugar inadequado, mas era também o único. Minha mãe, no meio daquilo tudo, morreu por complicações que só poderiam ser evitadas em um hospital.
Eu nunca me senti bem ao ouvir minha história, Mia sempre me dissera que eu era a única que não teria culpa pela morte de mamãe. Mesmo ouvindo, eu sentia que eram apenas palavras.- Amélia, minha sala. - Penélope passou por minha mesa e abriu a porta de seu escritório - Agora.
Corei ao perceber seu tom de Voz. Eu ainda era muito nova no emprego de secretária, qualquer deslize que eu pudesse cometer, ou descontariam no meu salário ou me demitiriam. Eu sei que as primeiras semanas não eram nada fáceis, que o costume viria com a rotina, mas pra mim, entrar naquele mundo me fascinava muito, eu simplesmente esquecia de tudo lá fora e me sentia apenas, eu.
Me adaptei rápido, com duas semanas já entendia o que devia fazer, quando e como fazer. Não havia nada de errado no meu trabalho, era tudo que queria e precisava no momento.
Afastei a porta já aberta por Penélope, e adentrei ao seu escritório com cautela.
- Sim, Senhorita Jones. - Minha voz calma. - O que deseja ?
Penélope Sorriu, iluminando seus pequenos olhos azuis.
- Quero falar com você, Amélia.
Eu assenti, deixando meus olhos atentos a cada movimento de Penélope.
- O conselho Elogiou muito seu trabalho na última reunião.
Corei, com um misto de felicidade e êxtase por dentro.
- Estou pensando em transferir você de Secretária para minha assessora particular. - Penélope Sentou em sua enorme cadeira de couro preta, e colocou os braços em cima da mesa. Seus cabelos pretos e extremamente lisos caíam em cascata nos ombros.
- Você queria tentar ?
Eu abri um sorriso curto, surpresa por ela ter pedido minha opinião.
- Eu estou muito Lisonjeada Srtª Jones, nem sei o que responder - minha voz realçava um leve tremor.
- Se estiver pronta e disposta, responda um sim. - O celular de Penélope tocou, tirando sua atenção de mim para sua bolsa. Rápido, ela começou a procura-lo no meio de diversas coisas que guardava dentro da bolsa, dizendo que devia parar de carregar muitas bugigangas.
- ALô? - Penélope atendeu e olhou para mim, como se estivesse sem graça. - Edmundo, que bom que você me ligou, preciso falar com você sobre mamãe.
Ela deu uma pausa.
- Hoje a noite? Como assim? - Outra pausa - OK, vou passar aí quando terminar no escritório.
Com um tchau simples ela desligou e olhou para mim, séria.
- Você tem irmãos Amélia?
Balancei a cabeça, negando.
- Não sei se isso é bom ou ruim. Eu tenho três e todos me dão um pouco de trabalho, talvez porque sou a mais velha... - Ela suspirou fundo, e depois voltou a falar - Meu irmão Edmundo, é o que menos tem juízo. Eu sinceramente não sei como ele conseguiu um emprego no hospital. - Penélope franziu a testa, como se o que dissesse sobre seu irmão fosse uma maluquice.
- É Médico? - Perguntei, mesmo sem interesse.
- Ele é psiquiatra na ala infantil. Muitas crianças sofrem de Câncer e ficam internadas por longos meses, ou anos. Precisam ser ouvidas, sentidas. - Senti um brilho nos olhos de Penélope, como se aquilo a emocionasse profundamente. - Não imagino emprego melhor para Edmundo.
- Você tem muito orgulho dele, não é mesmo?
Penélope refletiu por um instante.
- Sim, eu amo ele. - Penélope Levantou de sua cadeira, ajustando seu terno sexy no corpo. Ela Pegou um papel que parecia uma lista e me entregou.
- Bom, coloque um anúncio no meu site e informe que preciso de uma secretária nova, depois convide essas pessoas que estão aí para um pequeno Coquetel de lançamento da nova marca Da Malibull.
- Sim, senhora. - respondi, analisando os nomes do papel e saindo da sala.
Malibull era uma marca de roupas que possuía agregados.
O coquetel seria para a nova parceria que a Malibull fizera com a Fantasy, de roupas íntimas.
Olhei para os nomes escritos no papel, a maioria dos convidados eram investidores da Malibull, que com toda certeza, não ficariam de fora. Eu já conhecia alguns nomes,outros apenas eram uma vaga lembrança.
Depois que enviei os convites à todos, peguei meu celular e procurei o contato de meu pai. Mesmo sabendo qual a situação que estaria, arrisquei deixar chamar.
Contei até cinco.
Ninguém atendeu.