Estou correndo no meio da rua, com medo de olhar para trás. Não que tenha alguém atrás de mim, até porque eu já sei do que estou correndo. Não é um assassino, não é a polícia, nem mesmo alguém conhecido. Estou apenas correndo de mim mesmo. Claro que ninguém consegue se livrar de alguma coisa quando percebe que essa "coisa" está dentro de si. Todo mundo já tentou correr de seus medos, suas angústias e seus pesadelos que, muitas vezes, podem ser destrutivos. Afinal, é difícil conseguir controlar os próprios pensamentos.
As árvores passam muito rápido, o céu está ensolarado, não há pessoas à minha volta, e não gostaria que alguém estivesse me observando. Um homem alto, cabelo castanho escuro curto, olhos também castanhos e pernas longas, correndo sem destino. Nem eu mesmo sabia que conseguia correr tanto assim. Continuo olhando para trás à procura de alguém e mais uma vez me dou conta de que não vai aparecer ninguém. Sou persistente. Preciso tomar cuidado para não me ferir. Pensando nisso, lembro-me das pessoas que já machuquei. Percebo também que correr de terno não é muito agradável. Com meus vinte e poucos anos, pensei que esse dia nunca chegaria. As pessoas me esperam na igreja, mas não tenho coragem de voltar. Não quero voltar para a realidade e olhar no rosto daqueles que são próximos a mim. Principalmente para o rosto daquela linda mulher que deixei esperando no altar. Ainda devem estar se perguntando por que estou correndo sem direção e sem destino. Digamos que cresci diferente das outras pessoas. Nunca contei meu segredo para alguém, até porque tenho motivos para isso. Muitos achariam estranho ou até mesmo não acreditariam em mim, e os que acreditassem não o veriam como algo especial.
Lembro de quando tinha 12 anos, minha mãe, Carmen, uma mulher admirável, paciente, amada por todos, com seus lindos olhos castanhos, cabelos cor de mel, alta e com uma pele que todos invejavam, me levou ao parque como de costume. Todo final de semana passeavámos em um que ficava perto da minha casa. Meus pais eram separados, então fui criado por uma mulher forte, com a qual aprendi o que é respeitar, amar e pedir desculpas. Tenho certeza de que se tivesse seguido os seus conselhos, talvez não precisasse correr de meus medos. E quem sabe agora, eu estaria comemorando meu casamento com a mulher que está magoada no altar. Naquele final de semana, fomos a um parque diferente, um pouco mais distante da minha casa. O dia estava ensolarado, as crianças brincavam enquanto os pais conversavam sentados, observando seus filhos. Os idosos alimentavam os pombos como naqueles filmes americanos. Minha mãe sentou-se no banco ao meu lado, e perguntou se eu gostaria de tomar um sorvete. Eu, como qualquer criança, não recusaria uma proposta dessa. O sorveteiro estava a alguns passos de nós, então ela me entregou um punhado de moedas e pediu para eu comprar um sorvete para mim e outro para ela. Caminhando até ele, avistei uma fonte, onde as pessoas estavam arremessando moedas. Era uma fonte consideravelmente grande, decorada com anjos segurando arpas das quais saíam jatos d'água. Era uma fonte antiga, mas não aparentava, pois alguém a limpava quase toda semana. Algumas pessoas estavam completamente concentradas no que faziam. De olhos fechados, pareciam desejar com bastante emoção. Aproximei-me e perguntei para uma senhora o que exatamente ela fazia ali. Ela olhou no fundo dos meus olhos e falou que estava fazendo um pedido. "Algumas pessoas dizem que se você desejar algo com bastante força e jogar uma moeda na fonte, seu pedido se torna realidade", disse a senhora que aparentava ter mais ou menos 65 anos. Abri minha mão, pensei bem naquilo que acabara de ouvir, e desejei com todo meu amor que meu pai me ligasse, porque, afinal, fazia alguns anos que ele não me procurava para saber se eu estava bem, como estava indo na escola ou se simplesmente eu precisava de alguma coisa. Meus pais realmente não se falavam há muito tempo. Peguei a moeda mais bonita que encontrei na minha carteira, fechei os olhos, concentrei-me e joguei-a na fonte, desejando que meu pai conversasse comigo. Quando abri os olhos, percebi que tudo estava exatamente igual. Nada tinha mudado, minha mãe continuava me observando à distância, a senhora já tinha ido embora e as pessoas continuavam com o mesmo ritual de arremessar moedas. Naquele momento, fiquei chateado por pensar que fui iludido. Hoje, percebo que eu era apenas mais uma criança querendo que meus desejos se realizassem no momento em que o pedido foi feito. Continuei meu percurso até o sorveteiro, um homem de aparentemente 50 anos, com marcas de expressão nos olhos e testa que entregavam sua idade, e um sorriso estampado em seu rosto. Pedi a ele um sorvete de chocolate apenas, porque já não tinha dinheiro para comprar dois. Voltei para minha mãe e ela perguntou-me com tom de preocupação por que me desfiz da moeda, então, menti. Disse que queria um carrinho de brinquedo, por isso fiz o pedido à fonte. Seria mais fácil para ela absorver essa ideia e não precisar escutar que seu filho ainda sente a falta do pai.
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O Ladrão de Desejos
FantasyPessoal, este é o primeiro capítulo do meu livro. Deixei disponível para mostra-lo ao mundo! Se você que leu, gostou, amou, se apaixonou e agora quer continuar a lendo a história, você pode comprar o livro físico pelo site da editora: www.exitoedito...