TRECHO DO LIVRO "ARDÊNCIAS"
NOVO ROMANCE DA ESCRITORA MICHELLE BELLE
(...)
John Smith pegou seu embrulho, que continuava na biblioteca, e percebeu que ele tinha sido aberto. Após o susto que levara ao violá-lo, Billy Joe refizera o pacote de qualquer maneira e o largara sobre o piano de Stephenie. Miseráveis... Quem teria feito isso? O xerife Tom Scott não podia ter sido, pois estivera junto dele durante todo o tempo. Também nenhum empregado da casa teria audácia de abrir o pacote sem ordem expressa do patrão. Restavam Stephenie e Billy Joe como principais suspeitos. De qualquer forma, seu segredo vazara e, com certeza, na manhã seguinte, teria que dar muitas explicações desagradáveis. Precisava mudar seus planos com urgência.
Subiram as escadas e o xerife Tom Scott lhe mostrou onde pernoitar. Sem querer tomar-lhe mais tempo, apenas informou ao hóspede:
- O banheiro fica no final do corredor. Caso queira lavar-se, há roupas no armário. Se alguma lhe servir, não faça cerimônia em usar.
- Obrigado, não sei como agradecer à sua hospitalidade. Boa-noite, xerife.
- Boa-noite.
Não era um aposento grande, mas limpo e muito aconchegante. Além da cama, havia no quarto um armário, cômoda com espelho e uma confortável poltrona para leitura. John Smith caminhou até a janela e a abriu, deixando que o ar fresco lhe arejasse as ideias. Lá embaixo, viu o seu cavalo negro de olho azul e imaginou que não seria difícil fugir com ele dali. Todavia, precisava passar antes por algumas horas de sono, caso contrário, seu corpo não aguentaria. Ao abrir a porta do guarda-roupa, ficou feliz, pois seus olhos deram com uma infinidade de roupas de todos os tipos e tamanhos. Escolheu a que melhor lhe agradara e resolveu tomar um banho refrescante antes de se deitar.
John Smith puxou a porta do dormitório com delicadeza e saiu para o corredor. Estava um tanto escuro, mas ele pôde perceber que, além do banheiro, do seu próprio quarto e de uma espaçosa sala de visitas, havia apenas mais uma porta naquele andar. Alguém dormiria lá dentro? Seria Stephenie Joy? Espetado de curiosidade, caminhou suavemente até ali, como se deslizasse sobre espuma, e encostou o ouvido à porta para escutar qualquer ruído que denunciasse a presença da menina. Nem sinal de vida. Talvez fosse outro quarto de hóspede e, com certeza, estaria vazio. Dominado por esse pensamento, John Smith dirigiu-se em passos surdos até o final do corredor.
Ao acender a luz, seus olhos viram deslumbrados que havia uma banheira. Estava acostumado a tomar banho frio de chuveiro pinga-não-pinga e nunca em sua vida se lavara daquela forma, apesar de sempre ter tido vontade. Seu sonho era construir uma casa com varanda e banheira espaçosas. Como deveria ser relaxante permanecer imerso na água morna, esquecido do mundo, sentindo o carinho da espuma roçando-lhe a pele. Tão aéreo ficou com a novidade, que até se esqueceu de trancar a porta. Observou que sobre a pia existiam vários frascos de vidro, colônias para barba, perfumes, loções, cremes e pensou que seria uma boa oportunidade para se barbear. Na verdade, John Smith nunca se preocupara com a aparência, fragrâncias ou roupas bonitas. O seu corpo graúdo e bem torneado sempre lhe valeu como carta de apresentação, provocando inveja nos homens e cobiça nas mulheres. Porém, a presença de Stephenie Joy ali tão próxima e tão distante ao mesmo tempo, com suas carnes adolescentes a exalar suculentos aromas de pomo proibido, parecia já ter começado a fazer estragos no comportamento de John Smith. Ele tirou a camisa e seu peito cabeludo refletiu-se gigantesco no espelho com moldura de porcelana. Abriu a portinhola do gabinete em busca de navalha e só foi encontrar uma por acaso, quando um de seus dedos tocou a lâmina afiada, que estava escondida ao fundo de uma gaveta. Lambeu o dedo que pingava sangue e pensou:
- Bolas! Estou ficando todo fatiado...
A cicatriz que trazia no músculo do braço era agora o único vínculo que ele tinha com seu passado. Ao rapar os pelos da barba, era como se extirpasse também os últimos fios que o atavam à antiga vida. Durante alguns instantes, permaneceu contemplando seu rosto escanhoado no espelho, como se procurasse convencer a si próprio que agora ele teria de ser um novo homem. A morte da esposa e da filha, da maneira hedionda como tudo ocorrera, provocava-lhe uma dor suja no peito, atroz, dor que provavelmente ele teria de arrastar consigo até o término de seus dias. A própria vingança, que trazia trancada dentro de si, não seria suficiente para apagar o seu enorme sofrimento, mas apenas dilui-lo. Não, John Smith não queria mais viver do passado. Ainda era jovem e desejava refazer sua vida o quanto antes, conforme lhe dissera a velha misteriosa diante de seu barracão. Haveria de esquecer tudo que passara, inclusive a decepção que Robinson lhe causara. Depois daquele nefasto acidente que carregou a alma de seu pai, John Smith foi até o mercado para pedir ao comerciante se poderia sepultar o pai morto no terreno que agora pertencia a ele, Robinson. Era desejo do velho James ser enterrado ao lado da esposa amada, mas tal aspiração não foi atendida. Ao ouvir as palavras da boca de John Smith, o maldito soltou uma gargalhada com seus olhos vítreos de abutre e bramiu, sem ao menos respeitar o luto recente do rapaz:
- Quê! Você deve estar brincando comigo ou é mesmo muito ingrato. Já se esqueceu que sua mãe está enterrada lá e eu nunca lhe cobrei um aluguel sequer por isso? Ora, tenha a santa paciência... Não basta ter matado o pai, agora quer enterrá-lo na propriedade dos outros?
John Smith não teve ânimo para responder àquele ofídio. Encurvou os ombros humildemente e, com os olhos pregados no chão, voltou à sua casa para cumprir seu dever de filho. Não podia sepultá-lo ao lado da esposa, como ele queria, mas John Smith cavou a cova rente à cerca que Robinson mandara erguer. Acreditava que, dessa forma, deixaria o pai um pouco mais feliz, onde quer que agora ele estivesse.
Após ter se barbeado, John Smith abriu a torneira da banheira e aguardou que ela se enchesse. Tirou a calça de brim e a jogou sobre um banco de três pernas num canto. Ao ver seu corpo nu refletido do outro lado do espelho, sentiu-se tomado por uma repentina vaidade e encharcou na água uma esponja macia, fazendo muita espuma com sabão. Teria aquela pequenina esponja cor de cereja tocado o corpo proibido de Stephenie Joy e partilhado de seus predicados mais íntimos? Com delicadeza, John Smith meteu os tornozelos dentro da banheira e, ainda em pé, começou a lavar-se vagarosamente. Primeiro, ensaboou a cicatriz no braço, que ardeu um pouco. Em seguida, cobriu de espuma os cabelos do peito e do ventre. Enxaguou as pernas musculosas, pernas de lavrador, acostumadas a longas horas de jornada diária sob o sol escaldante. No momento em que ia se deitar na banheira para tirar o sabão do corpo e relaxar um pouco, ele levantou a cabeça e viu, assombrado, que Stephenie Joy estava estacada à porta, admirando-o com olhos de Eva.
John Smith procurou algo para se cobrir, mas não havia nada à mão, a não ser a pequenina esponja, insuficiente para o caso e, por esse motivo, a menina permaneceu contemplando a sua nudez máscula. Durante alguns instantes, os dois encararam-se num silêncio pontuado de entrelinhas lascivas, onde apenas se ouvia formigar o diálogo de desejos lúbricos. Os pelos molhados do corpo de John Smith davam-lhe uma aparência estranha de manga chupada e, talvez por isso, a menina sorriu, mordendo a parte debaixo dos lábios carnudos. Nunca em sua vida vira um homem completamente sem roupas e aquela visão inusitada punha-lhe comichões nas entranhas. Ardências. Os músculos pujantes dos braços, o tórax robusto e as pernas vigorosas de John Smith inebriavam a imaginação adolescente de Stephenie Joy. Veio-lhe à mente a ideia de que todos dormiam no sobrado e aquele corpo selvagem prometia a ela prazeres e delícias desconhecidas. Finalmente, a moça deu uma desculpa frágil para justificar a sua presença ali:
- Me perdoe... eu precisava usar o banheiro e não me dei conta de que ele estava ocupado. Volto depois, afirmou Stephenie.
- Não, disse John Smith, estendendo-lhe sua pesada mão de lavrador. Entre!
Então Stephenie Joy deu uma última olhada para o corredor, constatando que ele era uma estrada escura e sem vida. Trazia no peito a respiração inflamada e na mente a ideia de completar-se como mulher. Com seus dedos de leite, começou a desabotoar lentamente a camisola de algodão, deixando-a cair com suavidade sobre seus pés pequeninos. Diante dos olhos vorazes de John Smith, descortinaram-se suas formas alvas de estátua grega, plenas de curvas insinuantes, que foram devoradas com êxtase e satisfação. Stephenie Joy entrou no banheiro, decidida a embriagar-se com o entorpecente rum de prazeres proibidos que aquele corpo viril prometia. Ardências. Lá fora, uma coruja modulava belíssima cantiga de amor, interrompida apenas pelo som opaco do bater de uma porta, cuidadosamente fechada pela moça com seu calcanhar de flor.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ardências
RomanceO romance inicia-se com o personagem principal, John Smith, chegando a cavalo à pequenina e misteriosa cidade Barren Mountain. Num dos braços, traz uma ferida feita à faca e, na alma, uma dor intolerável, pois sua mulher e filha foram assassinadas b...